A síndrome Safatle/Dutra (II)

13.01.24_Izaías Almada_A síndrome SafatleDutra_IIPor Izaías Almada.

Ao afirmar que os condenados do mensalão não seriam desligados do partido, ao aceitar organizar uma contribuição para manter tais condenados a pagarem as multas aplicadas pelo STF e, agora, ao achar normal que alguém condenado em última instância assuma uma vaga no Congresso, o PT age como um avestruz que coloca a cabeça na terra e erra de maneira imperdoável”

Vladimir Safatle em artigo na Folha de São Paulo

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 “… todos os que o conhecem nunca tiveram um minuto de dúvida quanto à sua integridade de caráter e quanto à limpidez de sua trajetória de vida. Entre eles estou eu, admirador que sempre o considerou um militante exemplo pela sua dignidade, a coragem e a lucidez…”

Prof. Antonio Candido, em carta ao deputado José Genoíno

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Com a contextualização em relação ao título desses meus artigos feita no primeiro deles atempadamente pela amiga Conceição Lemes – do Viomundo – volto ao assunto sobre as opiniões do professor Vladimir Safatle e do ex-governador gaúcho Olívio Dutra. Vamos em frente.

Em 1997 tive o privilégio de coordenar, junto com os jornalistas Granville Ponce e Alípio Freire, o livro de memórias de prisioneiros políticos Tiradentes: um presídio da ditadura. Privilégio acrescido com a honra de ter como apresentador da obra o professor Antonio Candido de Mello e Souza, um de nossos mais brilhantes intelectuais. No seu prefácio, o professor Antonio Candido destaca o seguinte trecho dos organizadores à página 16, referindo-se aos memorialistas:

“Ninguém é vítima ao aderir a uma causa (a opção pela luta armada) de livre e espontânea vontade, mesmo considerando a possibilidade de uma ou de outra falha no recrutamento de um militante. É curioso notar, inclusive, que de todos os textos que recebemos, não há nenhum em que o autor faça qualquer alusão a uma eventual condição de vítima daquele processo de luta política. E só não comete erros quem não ousa”.

De certa maneira, a autocrítica daquele processo de ousada luta política foi feita por muitos que após e experiência da luta armada se incorporaram à criação do Partido dos Trabalhadores, que teve o professor Antonio Candido como um de seus fundadores. Autocrítica que pressupunha a crença em valores democráticos ainda por conquistar. Entre eles estavam José Genoíno e José Dirceu.

Vencida a ditadura em alguns dos seus aspectos mais sensíveis e visíveis, como a liberdade de reunião e a volta dos sindicatos, das organizações estudantis, o fim da censura à imprensa, a retorno do ‘habeas corpus’, o direito de ir e vir, o cessar das mortes e desaparecimentos de opositores ao regime, parte representativa da esquerda e não só, organizou e fundou o PT. E partidos políticos, ao que se sabe, se organizam para chegar ao poder político, como é óbvio, e se possível chegar ao mais alto cargo governamental republicano, o que foi conseguido em 2002 com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Refém de uma economia de mercado atrelada aos interesses rentistas e corporativos, nacionais e internacionais, bem como de um quadro político partidário anômalo, fisiológico e bastante conservador, o PT – como qualquer outro partido de esquerda progressista e democrático – apesar das seguidas vitórias eleitorais viu-se jogado às feras numa arena onde a platéia dividia-se entre a esperança e o medo. Diariamente, desde então, jornais, rádios, televisões, revistas semanais vêm tentando colocar o PT, seus militantes e seus eleitores no “seu devido lugar”. A Casa Grande mostrava e continua a mostrar as garras através dos seus porta-vozes.

Visto pelas lentes da dialética pode-se dizer que para os seus eleitores, o PT trouxe a esperança; para os adversários, em particular os mais conservadores, o medo, o receio. Quem não se lembra da campanha contra Lula em 1989? Do ponto de vista interno, entretanto, há o natural medo de não se corresponder à imensa responsabilidade de governar o país consoante às expectativas criadas e, na contramão desse medo, a esperança dos adversários pelo fracasso nesse sentido. E governar não é ir para um baile de debutantes ou praticar boas ações para ganhar o reino dos céus. Essa, quando muito, será a visão edulcorada de um medievalismo tardio, de uma cultura acadêmica afrancesada, de tempos inquisitoriais ou de exacerbado e ingênuo recato quase religioso diante do poder econômico dominante.

Passados poucos mais de 40 anos, nos quais muito se fez para o estabelecimento de um pensamento único no mundo, após a queda do socialismo real na Europa, proclamando-se para isso até o fim da História, os vários discursos neoliberais vão tendo vencidas as suas datas de garantia de uso, a última delas em 2008, já com algumas trombetas de alarme soando na Europa, nos EUA e no Japão para dias futuros.

Também após esses 40 anos é possível encontrar a sensibilidade e a solidariedade, entre centenas de milhares de brasileiros, de um professor Antonio Candido, por exemplo, que atento ao que se passa à sua volta, escreve a carta que escreveu ao deputado José Genoíno Neto, de cabeça erguida, ao contrário de outros que abandonaram, senão a luta, os caminhos escolhidos pelo PT.

Também durante esses 40 anos, novas gerações de brasileiros se formaram e se prepararam para as mais diversas atividades no campo do saber e do fazer. E cada geração, mesmo bebendo nos clássicos a sua formação e especialização, e amparada pelo conhecimento já comprovado e contínuo pelas ciências exatas ou humanas, sabemos que será sempre influenciada pelo confronto das idéias no seu dia a dia, por novas descobertas e avanços da humanidade. Ou por teorias ainda carentes de comprovação, quando estas não são lançadas apenas como estratégia de espalhar a dúvida e a confusão. Nesse confronto, nessa batalha de idéias, será preciso algum discernimento e, se necessário, saber remar contra a maré, quando for o caso.

Para os mais novos haverá sempre a tentação de reinventar a roda ao assumir a realidade do dia a dia como sendo a expressão de toda e qualquer realidade. Pedir a um partido que faça autocrítica das suas ações no atual contexto da política brasileira é direito que assiste a qualquer cidadão. Até porque, as condenações de uma ação penal ainda não concluída, é bom lembrar, não o foram em “última instância”, mas em ÚNICA INSTÂNCIA. Contudo, é preciso distinguir, no caso do PT, se tal avaliação provém de uma reflexão histórica consistente de quem vive o jogo político por dentro ou é fruto de um desejo subjetivo de escaramuças intelectuais obtidas em salas acadêmicas e redações midiáticas. Ou como diria o grande filósofo Millor Fernandes: “Certas coisas só são amargas, se a gente as engole”.

Voltarei ao tema.

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Leia também A síndrome Safatle/Dutra (I), a última coluna de Izaías Almada.

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Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

1 comentário em A síndrome Safatle/Dutra (II)

  1. Suely Farah // 25/01/2013 às 3:00 am // Responder

    Eu entendo, Izaías, e Sergio Ricardo, também, presumo.
    Saudações.

    Contra a Maré
    Sérgio Ricardo

    Não tenho mágoas
    Não precisa vir me consolar
    Mágoas são águas
    Vão para o mar
    Trago lembranças
    E essas eu não posso apagar
    São a herança
    Do meu caminhar
    Se assim não fosse
    Eu havia de ser um poço
    Estaria que só caroço
    Tropeço na ponta do pé
    Quem vai pro fundo
    Tem é que agitar o braço
    Tem é que apertar o passo
    Tem é que remar contra a maré

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