Lançamento Boitempo: Rituais de sofrimento
A Boitempo acaba de lançar Rituais de sofrimento, de Silvia Viana, o novo livro da Coleção Estado de sítio, coordenada por Paulo Arantes. A forma inovadora pela qual o trabalho aborda uma tendência recente da mídia – dos reality shows brasileiros aos blockbusters de Holywood – lhe rendeu posição de destaque entre as teses de doutorado de 2011. O livro está em pré-venda nas livrarias Saraiva, Martins Fontes e Travessa.
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Leia abaixo a orelha do livro, assinada por Gabriel Cohn
Você sabe o que é o inferno? É o lugar em que a mera ideia de dizer “basta” ao sofrimento que uns infligem a outros a céu aberto é impensável. Entretanto, estamos num universo – o dos reality shows na televisão – no qual, sem o céu da promessa e sem o cenário da exposição pública e ampla, nada de inferno. Aqui, como em todo lugar só que em escala brutal, céu e inferno se irmanam, demonstra o preciso relatório que se lê neste livro. Silvia Viana leva a sério o aparente escárnio da designação reality show. Quais são as molas que movem esse lado fake e nem por isso menos real do mundo em que vivemos, onde estão as roldanas que dirigem as cordas, quem são as figuras que elas agitam, como o conjunto se fecha sobre si mesmo sem deixar lacunas – está tudo no texto, e este se desenvolve com traços firmes e finos, sem poupar nada. A primeira coisa que ocorre ao mais distraído leitor é: isso é puro Kafka. E é por aí mesmo que o livro começa. O espantoso não é que se possa evocar Kafka – pelo contrário, isso bem poderia soar kitsch. Espanta, porém, e causa admiração e leva a ler e reler este relatório clínico, que sua escrita é digna de um Kafka. Como o é a sensibilidade sem a qual ninguém se aventuraria no mundo das sombras e dos gemidos que se oculta logo atrás da luz fulgurante e do alarido do espetáculo e ainda teria coragem de retornar com a memória cristalina do testemunho. E tudo isso sem um gesto de indignação autocomplacente e sem perder a capacidade de converter a repulsa em um humor agridoce tanto mais incisivo quanto mais suave. A fatura deste livro parece seguir uma regra básica: quanto mais o tema se revela repugnante tanto mais refinada deve ser a sua exposição. O resultado é que a leitura vai revelando que, diante disso que assim se expõe, não cabe o gesto banal da indignação moral (na realidade, mostra-se que esse gesto mesmo já está programado no espetáculo) nem a repulsa à má qualidade estética (também isso é provocação, convite, engodo), mas algo mais fundo. É que o rótulo reality show pode muito bem ser levado ao pé da letra.
Trecho do livro
“Por trás do sucesso de audiência dos realities, estão as engrenagens da indústria cultural e um formato que também prolifera por um interesse econômico bastante simples: trata-se de um produto muito barato, cujo retorno financeiro compensa. A razão do baixo custo está no fato de ser uma mercadoria fabricada just-in-time. Os shows de realidade podem ser realocados, encurtados, expandidos, retirados ou recolocados na programação, segundo os índices de audiência, com maior facilidade que os outros programas. Os reality shows são produções que dispensam estoques: em sua maioria, não há necessidade de cenários, e mesmo aqueles que criam ambientes-prisões precisam de apenas um espaço, que pode ser reciclado a cada edição. O Big Brother não abre mão de um roteiro, cabe à “pessoa de carne e osso” elaborá-lo, caso contrário será tida por “passiva” e será demitida no próximo “paredão”. “
Na imprensa:
Os reality shows refletem a violência da sociedade. O Dia. Por Carlos Brito
Os reality shows e a proliferação do sofrimento. Observatório da imprensa. Da redação.
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Dividido em quatro partes, “Show de horror”, “Das regras”, “Dos jogadores” e “Das provas”, o livro conta também com o posfácio Breve história da realidade: sofrimento, cultura e dominação, do professor adjunto de filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora Pedro Rocha de Oliveira. Leia também a apresentação do livro, publicada no Blog na semana passada aqui.
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