Ler a Hegel

13.01.09_Ler a Hegel_Emir SaderPor Emir Sader.

O Lenin, no seu rigor bolchevique, exagerava quando dizia que quem não leu a Logica do Hegel não compreende o marxismo. Ele queria dizer que, sem uma compreensão plena da dialética, perderia-se o núcleo básico que articula o pensamento do Marx. Lukács confirmaria isso ao dizer, um pouco mais tarde, que a única coisa ortodoxa no marxismo é a dialética. Na aplicação da dialética a distintos objetos e momentos encontra-se a atualidade do marxismo.

De fato, a passagem da lógica aristotélica – a logica da identidade – à lógica dialética é o momento mais revolucionário da historia da filosofia. Hegel é, ao mesmo tempo, o momento culminante da filosofia clássica e o seu fim, a impossibilidade, pela introdução da historia, da existência de sistemas filosóficos, que pretendiam proclamar verdades sistemáticas, eternas.

Como toda sua geração, Marx buscou fazer a cerimonia de luto do pensamento do Hegel e, assim, seu pensamento aparece como materialista, como anti-idealista. A própria afirmação de ter virado a dialética do Hegel “de cabeça pra baixo”, favorece essa visão.

Mas, apoiado em Hegel, Marx se voltou duramente contra o empirismo, contra a visão que toma a realidade imediata como a realidade. Para o pensamento dialético, nas palavras do Hegel: “O concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações abstratas.” Isto é, o concreto imediato é o ponto de partida do conhecimento, mas só pode ser desvendado depois de uma passagem por determinações abstratas, que permitem sua compreensão. Como dizia Marx, se a realidade imediata fosse compreensível por si mesma, a ciência não seria necessária.

A compreensão de um objeto concreto parte das suas qualidades físicas, que em economia nos remete ao valor de uso, sua utilidade concreta para nós. Mas a compreensão da sua realidade social – porque tem tal preço – só é possível pela viagem que o compreende como produzido pelo trabalho social dos homens, que define seu valor de troca. Retornamos àquele objeto concreto agora como síntese de múltiplas determinações abstratas, como concreto socialmente determinado.

Isso vale só como exemplo da forma como o pensamento dialético se apropria da realidade e como o pensamento do Hegel é essencial.

Agora é esperar o Hegel do Žižek.

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Está previsto para fevereiro o lançamento de Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético, considerada a principal obra de Slavoj Žižek. Diante dos impasses enfrentados pelo pensamento contemporâneo, o filósofo esloveno defende não só o tão temido retorno a Hegel como a repetição e a superação de seus triunfos e limitações, por meio da interação com o antifilósofo Jacques Lacan.

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A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana é o primeiro livro de Emir Sader pela Boitempo a ganhar versão eletrônica (ebook), já à venda por apenas R$20 na Gato Sabido, Livraria da Travessa e iba, dentre outras.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

1 comentário em Ler a Hegel

  1. “De fato, a passagem da lógica aristotélica – a logica da identidade – à lógica dialética é o momento mais revolucionário da historia da filosofia.”

    E o mais estúpido também. Aplicar a dialética ao mundo social e histórico é até aceitável. Aplicar ao mundo natural é risível.

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