Um Prêmio Nobel anti-climax
Por Emir Sader.
Prêmio Nobel de Literatura da China! Frenesi na mídia nacional e internacional! Correria para encontrar o dissidente, nas masmorras do regime ou nas profundidades da clandestinidade, para ouvir em primeira mão as denúncias da repressão que sofre nos calabouços dos goulags chineses ou, quem sabe, em Formosa ou mesmo em Londres.
A primeira indicação prometia: o nome com que publica seus livros é um pseudônimo – Mo Yan – que quer dizer “Não fales”. (Seu nome real é Guan Moye.) Certamente pelo menos um novo Solzhenitsyn. Mais um que não poderia ir receber o Nobel e mandaria seu discurso desde algum presídio.
Qual não foi a decepção ao saber que se trata do escritor mais popular da China contemporânea, o que mais vende livros, legalmente, por todo o país! Que ingressou no Exército Popular de Libertação da China em 1976, onde começou a estudar literatura e a escrever! Que decepção! Então só poderia um escritor do regime, “oficialista”, que faria propaganda do Estado chinês e dos seus dirigentes!
Nada disso, senão nem teria o sucesso que tem. Mo Yan publicou sua primeira novela (Densa chuva na noite primaveril) em 1981. Sua segunda novela (Sorgo Rojo), foi levada ao cinema pelo diretor Zhang Yimou e ganhou o Grande Prêmio de Melhor Filme do Festival de Berlim. Yan não parou mais de publicar livros, com espírito de ironia, sobre o mundo que os chineses vivem hoje, mas fora das expectativas ocidentais de literatura de oposição ao regime. Publicou também As baladas do alho, A república do vinho, Grandes peitos, cadeiras amplas, A vida e a morte me estão desgastando e Rã, além de Mudanças.
A revista Time disse que ele é considerado como um narrador da importância de um Faulkner ou um García Marquez. O Le Monde escreveu que Mo Yan é “um dos grandes novelistas contemporâneos”.
Não há livro dele publicado no Brasil e ele é pouco publicado em outros países, fora da China. Não se produziu o boom de venda das suas obras, nem de sua publicação, provavelmente porque ele não corresponde às expectativas da mídia ocidental.
Eu pude encontrar seu livro Cambios, em Buenos Aires e gostei muito. Nele, Yan conta suas memórias ao longo de 40 anos de história da China, desde a criança do interior até sua descoberta da China contemporânea. Um filho de camponeses que sonha em ser chofer de caminhão, um operário, um militar, até que se torna escritor. Yan retrata os personagens fundamentais da sua vida no livro – amigos, colegas de escola e de trabalho.
Um belo livro, que nos faz conhecer muito mais sobre a China contemporânea do que o conjunto dos vetustos livros de denúncia do que seria a China de hoje. Ainda não ha menção de que alguma editora brasileira vá publicá-lo, apesar de ser Prêmio Nobel de Literatura de 2012. E uma ótima literatura.
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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.
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