Sobre “Trabalho e Subjetividade”, de Giovanni Alves

Trabalho e subjetividade (capa ebook)

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Artigo de Hellington Chianca Couto.*

O livro Trabalho e subjetividade – o espírito Toyota na era do capitalismo manipulatório é resultado de um estudo teórico que, não obstante, dialoga com estudos empíricos e dados disponibilizados sobre a nova dinâmica do capitalismo[1], cujo traço principal segundo o autor é o espírito do toyotismo. Como o próprio afirma: O livro é um esforço sistemático de organizar, no plano teórico-categorial, importantes elementos para explicar as novas conformações da reestruturação produtiva do capital no século XXI.  

Destacado estudioso sobre o capitalismo em sua nova dinâmica, sob a forma sociometabólica desenvolvida a partir da chamada reestruturação produtiva do capital, Giovanni Alves desenvolve uma corajosa tese. Não disposto a ser um compulsivo inovador heurístico (como hoje está em moda), mas como alguém que, como seu mestre maior, Karl Marx, orienta suas premissas a partir de um acúmulo tanto por parte do pensamento dialético quanto a partir das críticas aos adversários teóricos. E hoje estes são muitos.

Esta que é a sua mais recente obra, apesar de partir de um marxismo fiel ao método marxiano, não teme – além de fazer uma crítica da economia política, através de categorias já desenvolvidas por autores do quilate de D. Harvey, I. Mészáros e Ricardo Antunes sobre a forma contemporânea assumida pelo sistema do capital – enveredar-se por uma crítica da psicologia das pulsões, tratando de uma esfera ainda pouco explorada pela tradição supra-citada: a subjetividade.

Em pleno capitalismo tardio – no sentido mais próximo ao adotado por Mandell do que o adorniano –, Giovanni Alves observa o quanto de manipulatória a vida social se tornou, visto que sua dinâmica apartara-se (ironicamente) das funções cerebrais ligadas à atividade da mão, pelo menos em sua forma predominante, com base no que o autor chama de Quarta Idade da Máquina[2]. Este grau de manipulação, bastante discutido por Lukács quando trata do neopositivismo e sua inerente matematização niveladora, é observado a partir de uma dinâmica cuja lógica aproxima-se de um abstracionismo que extravasa a produção direta e envolve toda a vida (mercantilizada) dos indivíduos sociais, onde se entrelaçam vida e uma compulsória produtividade, que opera a partir de um certo engajamento do próprio indivíduo. O que o autor chama de cooperação complexa é na verdade uma interpenetração – não fusão ou substituição – das forças produtivas materiais e das forças produtivas sociais e humanas; ou do material e do informacional.

Além de tardo-capitalismo, o autor trabalha com as categorias marxistas como fetichismo da mercadoria, estranhamento, ideologia orgânica etc., mas também desenvolve heuristicamente, de forma bastante enriquecedora para o pensamento crítico, categorias como sociometabolismo da barbárie, subjetividade sob desefetivação e seu conceito-chave captura da subjetividade ­­– já trabalhado em livros anteriores. Compartilha com autores contemporâneos como Jean Lojkine, Harvey e outros, conceitos de grande valia como: exploração por espoliação, revolução informacional,além de demonstrar a importância do pioneirismo de Benjamin Coriat para compreender a lógica interna do pensamento de Ohno e sua generalização eficientemente disseminada pelo toyotismo, tratado por G. Alves como ideologia orgânica. É revelador de toda a obra, como inicia o apêndice desta 1ª edição com a seguinte frase: O toyotismo, como salientou Antunes, implica uma lógica ‘mais consensual, mais envolvente, mais participativa, em verdade mais manipulatória’. (Antunes[3], 1995, p.118).

O autor parte da análise do que ele denomina dimensões da reestruturação produtiva, uma formulação teórico-descritiva tanto das mudanças ocorridas no quarto quartel do século XX, que têm como gérmen uma invenção feita no capitalismo japonês marcado por uma população envelhecida, onde o mercado interno era no mínimo débil, a partir de uma reestruturação a qual pode ser chamada de revolucionária, no sentido restrito, como técnica gerencial.

Neste sentido, o toyotismo inicia-se como técnica administrativa, como foi o taylorismo uma eficiente técnica caracterizada por uma “racionalização” ou economia de movimentos, com base na produtividade compulsória e operada verticalmente. Mas é com a crise dos anos 70, uma crise de proporções globais, sob o impulso da mundialização do capital, denominada por Mészáros de crise estrutural, passando a ser uma mudança com sérias consequências no âmbito da produção global, comparável ao fordismo. A princípio desenvolve-se no Japão e a partir dos anos oitenta, em vários países mundo afora, chegando a praticamente se generalizar nos anos 90. Por mais que tenha surgido no âmbito de uma empresa em particular, a Toyota Motor Company, o toyotismo passa a ser vulgarizado por um criativo inovador (de certa forma “visionário”) chamado Taichi Ohno. Tendo sua obra traduzida para o francês em 1988 e para o inglês em 1989 e prevendo a universalização dos princípios do Sistema Toyota de Produção.

A obra supracitada contribuiu para disseminar um processo de extirpação de barreiras diretamente relacionadas ao trabalho vivo, tanto em relação ao seu custo como capital variável, quanto em relação às resistências do trabalho organizado. O Welfare State é uma das expressões da relação capital/trabalho, mediada pelo Estado e produzindo barreiras à superexploração capitalista. Tais barreiras são traduzidas por Harvey como rigidez. O capital desenvolve um sistema que mais do que nunca passa obsessivamente a eliminar as barreiras relacionadas às resistências do trabalho, tanto individuais quanto do trabalho organizado.

   A partir da política monetária estadunidense (anos 60), que passou a produzir dólar em abundância, transformando esta em moeda universal, suplantando o valor simbólico e real do ouro, devido à obvia superioridade das transações internacionais a partir do papel-moeda, abarrotando o mundo capitalista de fundos e gerando uma inflação internacional, a acumulação flexível surge como estratégia corporativa que busca enfrentar as condições críticas do desenvolvimento capitalista na etapa da crise estrutural do capital caracterizada pela crise de sobreacumulação, mundialização financeira e novo imperialismo. Há, este momento, um salto nas vantagens comparativas dentro da concorrência internacional e intrafirmas, que compõe a base tecnológica, organizacional e sociometabólicapara a exploração do trabalho. A acumulação flexível, como demonstra Harvey, é uma resposta inventiva – com taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional – por parte do capital, que deve se realizar confrontando-se com a rigidez e ao mesmo tempo partindo de alguns princípios do fordismo, como o autor demonstrará a frente.  

Observa que o capitalismo sempre foi uma acumulação flexível. E é a partir desta leitura crítica da dialética continuidade/descontinuidade que o autor perceberá o peso real que a subjetividade (capturada) tem neste novo salto de flexibilização a partir da espoliação, que chamamos toyotismo. A partir das análises de D. Harvey sobre as mudanças estruturais do capitalismo pós-70, ocorre o que este autor chama de compressão do espaço-tempo no mundo capitalista, com base na transmissão via satélite e no barateamento dos transportes. Adverte, no entanto, sobre o perigo de ver nestas mudanças (ou adaptações) do capitalismo algo genuína e radicalmente novo. Seria esta uma tendência ingênua de ler a flexibilização como um traço novo no modo de produção capitalista e, por outro lado, uma excessiva rigidez na era fordista. Lembra que um dos traços ontológicos do capital tem sido a sua notável capacidade de ‘desmanchar tudo que é sólido’.

O espírito do toyotismo, segundo Alves, não é mera extensão mecânica ou da técnica de gestão criada por Ohno, nem sinônimo de acumulação flexível. Para compreender tal conceito, dever-se-ia ir além da concepção restrita de “modelo japonês”, mesmo porque, sua expansão se deu em uma situação muito diferente do pós-guerra e num contexto bastante diferente da mundialização do capital, que começará a se consolidar alguns anos depois, entre as décadas de 70/80.

Sob a égide da quarta idade da máquina (3º capítulo), tais princípios se disseminaram a ponto de ser facilmente identificáveis em qualquer manual de administração, sendo adotados, como lean production,por várias empresas, em vários ramos da produção.  Sistematizados por Ohno, em 1978, com o título O sistema Toyota de Produção, seu livro é traduzido uma década depois nos EUA e na França.   Esta obra não é um mero manual técnico de engenharia de produção, mas uma “filosofia” gerencial, de linguagem clara e acessível; universalizável, onde faz-se uma analogia entre esportes em equipe e produção enxuta, fazendo com que qualquer um que leia, perceba seu “espírito”; grosseiramente falando, o adversário deve ser a “desunião” e o desperdício no interior da “equipe”. Mas, notemos, Ohno não iguala o operário engajado ao “gênio empreendedor”, qual se baseia nos exemplos dos Toyodas (executivos da Toyota) como extraordinárias singularidades comparáveis a jogadores de xadrez. Se estes são sábios na arquitetura das relações internas da empresa, aquele também não pode ser o homem-gorila, devendo agir/pensando “pró-ativamente”, engajando-se como parte orgânica da empresa.

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Hellington Chianca Couto é bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; aluno concluinte do Mestrado acadêmico da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação do professor doutor Mauro Luis Iasi; participante do NEPEM (Nucleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), pela linha de pesquisa sobre Ideologia. É professor de Sociologia na rede estadual do Rio de Janeiro.


[1] Um exemplo é o estudo de caso da indústria automobilística no Brasil e seu uso das tecnologias informacionais.

[2] Quarta Idade da Máquina: a produção de máquinas microeletrônicas informacionais e sua integração em rede interativa ou controlativa (ciberespaço) – nos anos 80.

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1 comentário em Sobre “Trabalho e Subjetividade”, de Giovanni Alves

  1. Grande Hellington! Rapaz, estou precisando estudar mais sobre Toytismo, confesso que apenas achava que tal modelo de produção, e apesar de ser uma resposta a sua própia crise, e daí seu caráter universal, também mostra uma cara de gestão do capital, com homens e mulheres comprometidos “engajados”, e a nível mundial construindo uma subjetividade, e olhe que já ouvi dizer que este modelo, e´restrito ao modo de produção asiático, especificamente o japonês, o pessoal do “chamado mundo corporativo”, são irmãos deste modelo, apesar de muitos negarem, dizendo abertamente que o lastro deste modelo é cultural, sabe como é…disciplina japonesa.
    Depois deste trabalho vou rever minha posição, agora sobre salto ontológico, cara isto é muito interessante, e neste sentido, o Alves, o escritor deve ta´numa doidera só, é quase um novo combate a esta nova composição do capital, seu desenvolvimento informacional, e sua pálida e fugaz informação, o que faz que seja um a situação principista para sua manuntenção, valeu!

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