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12.11.30_cartas@amizade.comPor Roniwalter Jatobá.

Desde há muito tempo, venho recebendo reclamações de amigos, sobretudo baianos. Quando não tratam do meu sumiço das farras e festas da Bahia, se referem à minha total escassez de cartas. Depois que me acostumei com a facilidade do telefone, raramente escrevo umas duas linhas. O poeta Ruy Espinheira Filho, que guarda qualquer correspondência, até bilhete escrito em embrulho de pão, sempre escreve lamentando:

– Quando você não era tão preguiçoso, me escrevia – disse ele numa longa carta – É respeitável meu arquivo com sua correspondência, mas, claro, de anos atrás.

Já o professor e escritor Valdomiro Santana, não deixa por menos a velha e esfarrapada desculpa da falta de tempo.

– Velho, realmente não dá para comparar carta com telefonema – escreveu – São papos totalmente diferentes. O da carta atravessa o tempo, o do telefonema, não.

Sinceramente, não tenho nenhum vago motivo para tirar a razão dos dois. O padrinho de meu filho Lucas Lombardi Jatobá, o jornalista e escritor Sílvio Fiorani, conseguiu reconstituir toda a sua infância no interior paulista, nos anos 1950, por meio de cartas trocadas entre sua irmã e o atual marido. Embora morassem próximos na região de Vista Alegre do Alto e pudessem, nas noites escuras, visualizar as luzes das cidades onde moravam, os dois enamorados se correspondiam todos os dias e a jovem moça contou, em centenas de cartas, desde a saudade do amado até detalhes como uma suave febre, o sarampo e o braço (esquerdo) quebrado do irmão mais novo.

Quem pode esquecer a vasta correspondência do escritor paulistano Mário de Andrade? Morto em 1945, aos 51 anos, escreveu sobre tudo o que se imagina e ainda achou tempo para redigir uma pilha de missivas durante sua vida (umas 3.000 calculam-se por baixo). Só para se ter uma ideia, já foram publicados mais de 15 volumes apenas com suas cartas.

“Se um jovem dos confins do Piauí lhe escrevia, contando esperanças literárias, chorando mágoas, pedindo conselhos ou simplesmente livros, Mário de Andrade se absorvia totalmente no problema desse moço desconhecido, pensava nele, imaginava soluções e lhe mandava uma resposta de dez páginas, em que o rapazinho se sentia de repente dignificado, compreendido, consolado, estimulado ou socorrido”, disse o professor Antonio Candido, casado com Gilda de Mello e Souza (1919-2005), prima de Mário.

Posso estar errado, mas acho que os bons tempos das cartas estão de volta. Todos os dias, recebo uma, duas ou até três. Não pelas mãos do carteiro, mas via internet. Sinto que as pessoas vão perdendo o medo de se expres­sar pela palavra escrita e voltam a escrever, agora com a comodidade e a economia advindas com o correio eletrônico. Pouco a pouco, muitas começam a atravessar o espaço e, tam­bém, o tempo.

Eis aqui uma carta que recebi via e-mail há cerca de cinco anos. Tirei uma cópia e guardo-a com carinho. Reproduzo‑a palavra por palavra, de acordo com o original:

É curioso escrever para quem não se conhece pessoalmente. Quem te escreve é uma pessoa que foi surpreendida por três coincidências. A primeira está relacionada com o fato de termos o mesmo sobrenome (jatobá), provavelmente temos algum parentesco emnossa árvore genealógica. A segunda por gostarmos de escrever (escrevo, como tantos anônimos no país… brinco de escrever). A terceiraé porque somos nascidos no mesmo dia do mêsde julho (também faço aniversário em 22 de julho), embora tenha vindo ao mundo algunsanos depois, em 1963.

Permita-me que me apresente, meu nome é Ana Izabel Jatobá de Souza. Atualmente, sou a mais nova professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Sou natural de Mato Grosso do Sul (Ladário, vizinho de Corumbá). O sobrenome Jatobá herdei de minha mãe que pertencia a meu avô (que não sei de onde veio). Souza é sobrenome de meu pai (baiano de Juazeiro). Sou casada, sem filhos e com muitos sonhos. Estou aprendendo a navegar na internet, e por curiosidade digitei a palavra jatobá e, além de muitas árvores e fábricas de móveis, encontrei a tua página pessoal. Fiquei encantada em conhecê-lo e espero que esta carta chegue via correio eletrônico. Isto é, se fizer tudo certo. Inseguranças de principiante.

Sem mais, um abraço solidário das coincidências da vida.

Há tempos não recebo cartas da possível parente distante, mas tenho certeza que nasceu ali uma sólida, longínqua e fraternal amizade. Outra noite, com em muitas outras noites, já pensei, no silêncio do meu apartamento, nas “coincidências da vida” – e no tempo.

Que coisa é o tempo. Nada me fascina mais (e me perturba) do que o tempo. Quando estamos felizes, mas de uma felicidade sem tamanho, o tempo flui depressa. Anoitece e amanhece e não nos damos conta de que a noite já passou.

Vivência oposta, e também paradoxal, é quando estamos tristes e infelizes. Sentimos um medo vago, difuso, um medo que não sabemos de onde vem, como se fosse acontecer ou já estivesse acontecendo uma desgraça. Então, o tempo é uma tartaruga ou mais lento do que uma tartaruga. Cada minuto é como se fosse feito de chumbo.

***

Roniwalter Jatobá nasceu em Campanário, Minas Gerais, em 1949. Vive em São Paulo desde 1970. Entre outros livros, publicou Sabor de química (Prêmio Escrita de Literatura 1976); Crônicas da vida operária (finalista do Prêmio Casa das Américas 1978); O pavão misterioso (finalista do Prêmio Jabuti 2000); Paragens (edidado pela Boitempo, finalista do Prêmio Jabuti 2005); O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005), O jovem Fidel Castro (2008) e Contos Antológicos (2009). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.

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