Haddad, Pochmann e o programa Luz para todos

Por Izaías Almada.

Fui ao dicionário procurar o significado do adjetivo degradante, pois é sempre recomendável usar as palavras com o seu sentido exato. E lá está: “aquele ou aquilo que degrada”, isto é, aquilo que priva de graus (retira gradativamente) dignidades ou encargos. São sinônimos de degradante os adjetivos: aviltante, desonroso, infamante.

Pois bem: o degradante (aviltante, desonroso, infamante) espetáculo proporcionado pelo julgamento da AP 470, onde a maioria dos atuais membros do Superior Tribunal Federal não teve escrúpulos em jogar a justiça brasileira no lixo da história, condenando e absolvendo sem provas, está proporcionando ao país, além da revolta e ressaca moral pela pantomima, a possibilidade de inúmeras reflexões, muitas delas apaixonadas – é verdade – mas nem por isso isentas de seriedade e com a firme intenção de entender o que está acontecendo nesse novo e ao mesmo tempo velho Brasil.

Novo pela vontade de mudar, velho pelo medo de mudar. Novo porque os que de fato querem as mudanças não são muitas vezes compreendidos por muitos dos que sempre se julgaram a vanguarda das mudanças. Novo porque, por vezes, e muitos se esquecem disto, as antigas teorias também se tornam velhas. Novo porque o proletário que ousou arriscar mudanças não se encaixava muito bem no perfil de antigas teorias revolucionárias.

E o fato é que a nova, imperfeita e titubeante democracia brasileira acaba de fazer os seus primeiros e velhos presos políticos. Paradoxo? Ironia? Ou alguém em sã consciência ainda considera que José Dirceu, José Genoíno e o PT estão sendo julgados por corrupção?

A reflexão que faço é singela, sem escoras acadêmicas ou pretensamente eruditas, a saber: se o Partido dos Trabalhadores incomoda e desagrada a direita brasileira ao mesmo tempo em que não satisfaz aos sonhos dos mais arraigados fundamentalistas da esquerda, qual a razão do ódio que se tem dedicado a esse partido e a alguns de seus principais militantes? Leia-se a propósito as novas e inacreditáveis declarações do Sr. Plínio de Arruda Sampaio a respeito do partido que ajudou a fundar. Declarações dignas de um Gilmar Mendes ou de um Celso de Melo, velhos defensores do conservadorismo e do atraso nacional.

Por acaso o PT inventou a corrupção no Brasil? Seriam de fato suas necessárias alianças para governar tão espúrias assim? As diversidades de opiniões e de pontos de vista não pressupõem alianças político-partidárias quando não se tem maioria num Congresso de formação conservadora e dominado por lobbies ruralistas e rentistas entre outros?

Para não recuarmos muito na história do país, basta lembrar que a elite brasileira criou uma estrutura para o exercício do poder político que sempre a favoreceu. E quando essa estrutura se viu minimamente ameaçada, essa mesma elite apelou para golpes de estado, sedições e tentativas de impedimentos de posse para presidentes eleitos. Para o bem e para o mal, sem alianças com a burguesia e com os picaretas e oportunistas de plantão que habitam nossas casas legislativas (o que abrange todo o espectro partidário brasileiro, sem exceções) não se governa o Brasil. A estrutura está montada assim e não adianta choro ou ranger de dentes. Ou isso ou uma revolução popular… Ou isso ou uma estratégia para que se possa governar para os mais humildes, para a maioria, sem perder o poder político.

Se abrirmos ao longo do tempo a caixa preta das relações promíscuas entre governos municipais, estaduais e o governo federal com os órgãos de comunicação, por exemplo, para não falar das grandes obras de infraestrutura (favorecimentos, licitações de carta marcada, etc.), o odor da corrupção será insuportável. E isso há muitos e muitos anos. O que falar da construção de Brasília, por exemplo, ou das obras faraônicas durante a ditadura civil/militar? O metrô de São Paulo? As vergonhosas privatizações no governo entreguista de Fernando Henrique Cardoso, essa sim, uma corrupção comprovada por extenso material de investigação jornalística?

Dirão os mais ingênuos (ou cínicos?): mas em algum momento é preciso dar um basta à corrupção no país e alguém tem que servir de exemplo. Embora não me tenha na conta de cínico ou ingênuo, até concordo… Mas se o propósito dessa grande farsa jurídica montada em Brasília com o apressado julgamento do chamado “mensalão” é a exemplaridade, por qual razão não começar com outros julgamentos que esperam nas gavetas da Procuradoria Geral da República e do próprio STF?

E a corrupção que vem de cima, a do colarinho branco, aquela que é sabida e praticada pelos partidos que representam os interesses do poder econômico e dos grupos mais favorecidos da escala social? E tudo indica que não são poucos aí os homens e partidos envolvidos até ao pescoço. Aliás, sob esse aspecto, penso que alguns ministros nem deveriam estar no STF, muito embora eu não tenha as provas para acusá-los. Mas posso supor, pois agora já não se precisam de provas para acusar… Ou melhor, os ministros do supremo, se for o caso, que tratem de provar que são inocentes.

Por qual razão o exemplo tem que ser dado justamente com o partido que, bem ou mal, tem efetivamente trabalhado em função dos mais humildes? Ou existe outro partido à esquerda, no centro ou à direita que consiga crescer a cada eleição, que consiga superar os milhões de votos em eleições municipais e os mais de 60 milhões de votos em eleições federais?

A esse propósito sei que muito ainda se escreverá, mas como estamos a três dias do segundo turno eleitoral é sempre bom refrescar a memória e tentar minimamente um novo exercício consciente sobre o voto, mesmo que ainda seja o voto numa democracia burguesa, repito, falsamente representativa, mas com a qual temos que conviver e respeitar. Aprimorá-la, se possível, mas não à custa da criminalização da atividade política e de um julgamento com sérios indícios de farsa. E pior: com o desnudamento da falsa erudição de alguns integrantes do atual STF, onde o juridiquês e certa linguagem eivada de maledicências e descabidas ironias, para dizer o mínimo, revelam em que mãos (ou cabeças) o país deposita a imparcialidade que se espera da justiça.

Avanços e recuos à parte, o Brasil chega aos primórdios do século XXI ainda carente de instituições verdadeiramente democráticas e onde uma investida hegemônica dos meios de comunicação de massas, cada vez mais avassaladora e partidarizada, assume arrogantemente e acima das leis o papel de dona da verdade, demonizando o Partido dos Trabalhadores e a esquerda em geral, incluindo-se aqui a esquerda que duvida da própria esquerda.

No próximo domingo muitas cidades realizam o segundo turno das eleições municipais. Aqui no estado de São Paulo, duas delas – a capital e Campinas – podem fazer avançar as perspectivas do novo Brasil que, sob fogo da direita tradicional e da desconfiada esquerda de nariz torcido, vai lentamente acordando o gigante pela própria natureza.

As vitórias de Fernando Haddad em São Paulo e Márcio Pochmann em Campinas, se assim entender a maioria dos eleitores, poderá ampliar e repercutir no imaginário político brasileiro aquela que já é uma realidade adquirida em apenas um dos impactantes programas dos governos Lula/Dilma: o luz para todos. Como disse o ex-presidente Lula em seu último comício em São Paulo: os postes da nova geração do Partido dos Trabalhadores irão iluminar a política brasileira.

A partir do julgamento do voto, caberá, então, ao povo brasileiro estabelecer rapidamente a dosimetria com que deveremos avançar na reforma política, na reforma do judiciário e em nova regulamentação da lei de imprensa. Todo poder emana do povo e em nome dele deverá ser exercido.

***

Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

4 comentários em Haddad, Pochmann e o programa Luz para todos

  1. Suely Farah // 25/10/2012 às 8:19 pm // Responder

    Faça-se a luz, disse e dirá o povo paulista.
    E todos verão que era bom.
    Assim seja, Izaías
    Saudações cidadãs!

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    • Suely Farah // 25/10/2012 às 9:36 pm // Responder

      E pra não dar margem a falsas interpretações dos cínicos de plantão, que fique bem claro que concordo em todos os termos com o que diz o seu texto, Izaías.

      Apesar das baixarias e manipulações, os paulistanos elegerão Haddad para Prefeito de São Paulo, com uma vantagem de votos bem maior do que aquela indicada nas últimas pesquisas.

      Faça-se, então, a luz sobre tanta tenebrosidade e opressão.
      São Paulo precisa e merece respirar e viver livre e fraternalmente.

      Nossa cidade não é Gotham City.

      Suas palavras são corajosas e verdadeiras, e não ingênuas, Izaías, assim como as minhas não são tolas ou infantis, apenas simples e diretas.

      Meus sinceros e solidários cumprimentos a você.

      Suely

      Obs.: “Só que tem que eu tô numa tão certa/ Que ninguém me diz/ Quem eu sou, o que devo fazer/ E o que eu não fiz”. Sidney Miller.

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      • Suely Farah // 28/10/2012 às 9:14 pm // Responder

        Bem…, pelo que parece, Izaías, apesar do nosso constrangimento em admitir, esta foi a vitória que a elite paulistana permitiu à vontade popular, para o bem de sua própria sobrevivência, acrescente-se.

        saudações cidadãs

        Suely

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  2. Lúcia Ribeiro // 26/10/2012 às 1:47 am // Responder

    Não sou filiada a nenhum partido. Mas devido aos rumos tomados por esse julgamento, acredito que a melhor resposta seria uma campanha de filiação ao PT, por todos nós que compartilhamos informações da mídia conhecida como alternativa. Imagine se o número conseguido fosse considerável? Coisa tipo milhões de adesão.

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