Luta democrática na América Latina e no Oriente Médio

Por Emir Sader.

Convidado para um seminário sobre a primavera árabe, tive que trazer as experiências latino-americanas na luta democrática e na transição desde ditaduras militares. Os regimes que foram derrubados por grandes manifestações de massa, pacificas, os da Tunísia e do Egito, têm características comuns e diferenças em relação às nossas ditaduras militares, mas sempre é possível transferir experiências que podem ser uteis para eles.

As ditaduras militares latino-americanas se deram no marco da guerra fria, sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional. A alta oficialidade das FFAA foi o agente implementador do projeto politico e o grande empresariado nacional e estrangeiro, seus principais beneficiários.

Porque uma ditadura como a brasileira, não representou apenas a ruptura da democracia e a imposição de um regime baseado na força mas, ao mesmo tempo, um modelo econômico centrado na super-exploração do trabalho. Ao mesmo tempo em que colocava em pratica as primeiras brutais medidas repressivas contra tudo o que lhe aparecesse como democrático, intervinha em todos os sindicatos, impunha o arrocho salarial e proibia toda campanha salarial. Decretava assim uma lua-de-mel extraordinária para o grande capital privado, que teve no arrocho o santo do que chamou de “milagre econômico”.

A resistência democrática teve dois períodos: o primeiro, marcado pelo protagonismo dos movimentos armados que, derrotados, deixaram espaço para a hegemonia da forças liberais na oposição à ditadura. Como consequência, quando a convergência da crise da dívida e o esgotamento do ciclo expansivo da economia com o fortalecimento da luta democrática, a ditadura se esgotou e entrou em crise final, e o modelo que se impôs foi o do liberalismo.

Essa periodização da oposição foi similar nos vários países da região e assim  a democratização foi uma democratização politico-institucional – sem que se estendesse aos planos econômico, social, cultural e midiático.

Foram transições democráticas não concluídas, a ponto que, na década de 1990, tivéssemos, praticamente em todo o continente, democracias liberais e governos neoliberais, que acentuaram ainda mais o caráter não democrático do conjunto das estruturas de poder nos distintos países.

Somente nos países que se colocaram no caminho da superação do neoliberalismo – no caso daqueles que tiveram ditaduras militares, o Brasil, a Argentina e o Uruguai – pode-se dizer que se completou o processo de transição das ditaduras para as democracias, que se estende aos planos econômico e social. Ainda que falte faze-la chegar ao plano cultural e dos meios de comunicação, pode-se dizer que já não se trata da democratização liberal que tinha se imposto na saída das ditaduras.

Essas lições transmiti aos países que protagonizam a primavera árabe.

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Confira também:

A luta democrática no Oriente Médio, texto em que Emir oferece um breve panorama do seminário realizado em Beirute sobre a primavera árabe.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

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