O sapo Gonzalo em: Igrejas, cultos e religiões

Por Luiz Bernardo Pericás.

Algumas pessoas, nos dias de hoje, andam preocupadas com o aquecimento global, mudanças climáticas, a profecia maia, catástrofes naturais e o fim do planeta. Furacões, terremotos, tsunamis! Nessas horas, em busca de salvação, muita gente se volta, como se pode imaginar, para… a religião! Ou melhor dizendo, as “religiões”: de joelhos, lágrimas nos olhos, palmas das mãos juntas e tremores em todo o corpo, rezam para os céus, em êxtase, pedindo clemência! Ah, desespero! Sempre a mesma cantilena, tanto ontem como hoje. Afinal, em tempos confusos e tenebrosos como o nosso, sempre aparecem os falsos profetas e visionários: quem seguir suas palavras será salvo! Um horror… Mas assim tem caminhado a humanidade. 

Se já não bastassem as religiões que todos nós conhecemos, continuam surgindo e proliferando novas seitas a cada dia. Desde a segunda metade do século passado até o presente, apareceram em diferentes partes do mundo as mais variadas formas de se relacionar “institucionalmente” com o além, o sobrenatural, os santos, os anjos e até com os extraterrestres, na busca constante pela experiência mística que levará os homens à sua redenção!

Pois saibam que Gonzalo, nosso desconfiado e bravo anuro argentino, leu recentemente, em revistas e jornais de grande circulação, sobre a existência de cultos modernos mais bizarros e exóticos do que os que estão por aí há séculos. Se é que isso é possível. Vejamos. 

Na República Tcheca, por exemplo, uma das religiões mais estrambóticas é a Ordem do Jedi, com 15 mil adeptos, de acordo com um censo de 2011 realizado naquele país. Seus membros seguem a “filosofia” dos cavaleiros Jedi do filme Guerra nas estrelas!George Lucas deve estar orgulhoso… Os integrantes da “Ordem”, em sua maioria moradores da capital, Praga, se guiam pela clássica mensagem: “Que a força esteja com você!” Grandes admiradores do mestre Yoda, de Obi Wan Kenobi, Hans Solo e Luke Skywalker, sonham todos os dias em ter seu próprio “sabre de luz”. Há, inclusive, técnicas de treinamento com aquelas espadas fluorescentes, ensinadas pelos líderes da “Igreja”… No fundo, se identificam mesmo é com o Chewbacca. Ou melhor, o Babawcca… Mas não estão sós. Em 2001, milhares de cidadãos canadenses disseram fazer parte desta “seita” e na Nova Zelândia, 53 mil pessoas afirmaram o mesmo. Lá, há mais “jedis” do que membros da Assembleia de Deus e testemunhas de Jeová. Por sinal, em 2005 foi construída a primeira igreja internacional do culto, o Templo da Ordem Jedi. Tem gosto para tudo… 

A República Tcheca, aparentemente, é propensa a esquisitices. É lá que surgiu o “Povo do Universo” ou “Povo Cósmico”, um movimento religioso fundado por um tal Ivo A. Benda. Seus seguidores acreditam que Benda se comunica com civilizações extraterrestres, seja por telepatia, seja pessoalmente. A primeira “conversa” do líder com esses seres teria ocorrido em outubro de 1997. Desde então, muita gente ingressou nesta doidaria. Para os convertidos, os ETs teriam uma frota de naves espaciais liderada por Ashtar Sheran (o “comando galáctico”), que estaria orbitando em torno da Terra. O objetivo dos alienígenas seria ajudar as pessoas “boas” (sabe-se lá como) e levar os “fiéis” para outra dimensão! Benda, que publicou um livro intitulado Entrevistas com instruções dos meus amigos do universo, diz que uma calamidade interestelar é iminente e que deve haver em breve a evacuação da população para outros planetas. Ele acredita que é preciso preparar o mundo para o ataque dos aliens maus, chamados de “saurians” ou “homens-lagarto”. A estroinice é tanta que integrantes desta “Igreja” chegaram a mandar correspondência para o Ministério da Defesa da Eslováquia, ensinando às autoridades técnicas de luta contra os possíveis invasores do espaço sideral. Uns loucos… 

Outro exemplo de despautério é o “Prince Philip Movement”, uma estranha seita de aborígenes da tribo Yaohnanen, em Tanna, uma das 83 ilhas do arquipélago de Vanuatu, no Pacífico Sul, descoberta em 1774 pelo capitão Cook, e que continua até hoje na pobreza e abandono. Os moradores locais acreditam que o príncipe Philip, duque de Edimburgo e marido da rainha Elizabeth II, é na verdade o seu messias! De acordo com a lenda secular, um homem divino, de pele muito clara e pálida, filho de um espírito de uma montanha de Tanna, teria partido para bem longe e cruzado os mares em busca de uma mulher poderosa, com que iria se casar. Algum dia, contudo, voltaria à sua terra natal, para trazer abundância e felicidade a seu povo! Até que em 1974, o casal real decidiu visitar Vanuatu numa viagem de cortesia. Quando os residentes de Tanna viram, ao longe, o esposo da monarca (chamada por eles de “Misis Kwin”), vestindo um uniforme de gala da marinha britânica, se convenceram de que era “o iluminado” que há muito partira e que finalmente retornara ao lar! Todos no pequeno vilarejo de casebres miseráveis e bananeiras, onde não há eletricidade, água encanada ou escolas (nem tampouco revistas, jornais, rádios ou aparelhos de televisão), ficaram exultantes. Após Philip se dar conta da história, mandou, ao longo dos anos, três retratos (um deles, posando com uma arma na mão), que foram guardados com o maior cuidado pelo chefe Jack Naiva, e venerados em celebrações religiosas da população. Para retribuir a gentileza, os islanders enviaram ao Palácio de Buckingham um “nal nal”, um porrete usado pelos homens da aldeia para caçar porcos selvagens. O duque deve ter usado muito isso na esposa, no príncipe Charles e nos “adoráveis” herdeiros William e Harry… Ah, que miséria! Os habitantes daquela ilha ainda aguardam o segundo retorno do “nobre” duque… 

Talvez você, caro leitor, ache que não dá para ser mais estólido. Mas dá! Há a Igreja Coltraneana, na Califórnia. Ou melhor, a Saint John Will-I-Am Coltrane African Orthodox Church, fundada em 1971 pelo “arcebispo” Franzo King e pela “reverend mother” Marina King. O culto começou como “One Mind Temple Evolutionary Transitional Body of Christ” e depois mudou de nome para a denominação atual. O grande momento de epifania do casal veio depois de assistir a um show de Coltrane em 1965, em São Francisco. Daí em diante, Franzo e Marina se convenceram de que o saxofonista era um emissário divino. Para os dois, seu patrono, são John Coltrane, não era “apenas” um músico de jazz, mas um mensageiro de Deus, escolhido pelo próprio Espírito Santo para trazer os homens ao cristianismo através do “som”. Na igreja, os “fiéis” passam o dia celebrando o autor de A love supreme. Dançam em transe por horas…

Para continuar no campo musical, existe também a Igreja Presleyteriana, na qual os confrades fazem orações para Elvis, o rei do rock! Todas as celebrações, é claro, são feitas com canções de seu repertório. A First Presleyterian Church of Elvis The Divine foi fundada por Mort Farndu e Karl Edwards em 1988 e tem 31 mandamentos. Entre eles, comer seis refeições diárias, olhar na direção de Las Vegas uma vez por dia, fazer pelo menos uma peregrinação na vida para a mansão de Graceland, em Memphis, Tennessee, e combater o “Anti-Elvis”, Michael Jackson. Os crentes dizem que, ao nascer, Elvis foi visitado por três bluesmen, que lhe ofereceram presentes. Um deles deu uma garrafa de vinho barato; outro, um punhado de pílulas multicoloridas; e o último, uma lata de bacon e banha de porco. Aí começou a lenda… Mais tarde, o “rei” teve muitos discípulos, entre os quais, o mais importante, John Lennon. De acordo com websites da Igreja Presleyteriana, há sermões variados, como, por exemplo, o instigante e sugestivo “O cachorro-quente: a comida mais perfeita da natureza”. E a luta implacável contra os “falsos deuses”, artistas como o ícone dos hotéis e cassinos de Nevada, Wayne Newton, e a velhusca cantora pop, Madonna. Há quem defenda, inclusive, que a data de nascimento de Elvis se torne, em algum momento, feriado nacional. 

E não podemos deixar de mencionar também a Igreja de Kurt Cobain. Ela teria sido fundada pelo “reverendo” Jim Dillon em Portland, Oregon, e inspirada na Igreja Coltraneana, já falada aqui. Seu objetivo seria “lutar contra o abuso de drogas”! Para Dillon, as canções do líder do Nirvana eram cifradas, enigmáticas e incompreendidas pela maioria das pessoas. Ou seja, o guitarrista e vocalista da banda mais emblemática da cena grunge de Seattle, na verdade, teria a intenção de salvar as almas atormentadas com sua música, ao mesmo tempo agressiva e sombria, que não só representava, implicitamente, uma crítica social, mas também seria um exemplo de fé cristã! Tempos depois, descobriu-se que o nome real de Dillon era Jerry Ketel, e que a Igreja de Kurt Cobain seria uma hoax… Ainda assim, apesar do embuste, eles aceitavam doações! 

Mas Gonzalucho tinha vergonha mesmo era de uma sandice de seus compatriotas. Falo aqui da Igreja Maradoniana, uma maluquice criada na Argentina. Os fanáticos locais, como se pode imaginar, rezam para Diego Maradona, um nanico barrigudo e cocainômano, que, dizem eles, também foi um grande jogador de futebol. Como Gonzalo não gostava de ver um bando de homens de pernas peludas chutando uma bola, não tinha o menor interesse pela grande celebridade dos gramados de seu país. O calcio certamente não estava entre os esportes favoritos do batráquio de pele esverdeada. A “Iglesia Maradoniana” foi criada por quatro amigos rosarinos como forma de brincadeira e nela, Dieguito, o gnomo peloteiro dos pampas, é conhecido como D10S, o “D”, inicial de seu primeiro nome, o “10” de sua camisa, e o “S”, só colocado ali para ajudar a formar a palavra “Dios”, mesmo que, claramente, de forma um tanto forçada. Lá, os devotos fazem diferentes orações a seu ídolo. Uma delas é assim:

“Diego nuestro que estás en las canchas.
Santificada sea tu zurda,
Háganse tus goles recordar
en la Tierra como en el Cielo.
Danos hoy la magia de cada día,
perdona a los ingleses,
como nosotros perdonamos la mafia napolitana,
no nos dejes caer en off-side
y líbranos de Havelange y Pelé.
Diego”.

Outra religião desvairada de nossos tempos é o “dudeísmo”, que já conta com 150 mil seguidores. Ela foi criada por um tal Oliver Benjamin, um jornalista norte-americano desocupado que mora em Chiang Mai, na Tailândia. Benjamin (que aparentemente vive exclusivamente dos rendimentos de seu website) decidiu “fundar” essa congregação insólita em 2005 inspirado no filme O grande Lebowski, de 1998, dirigido pelos irmãos Coen. Para quem não assistiu, a película narra a história de Jeffrey Lebowski (interpretado por Jeff Bridges), também conhecido como “the dude”, um maconheiro desempregado e preguiçoso, bebedor de White Russians e jogador inveterado de boliche, que tem uma “filosofia” de vida bastante relaxada. Uma legião de fãs e conversos, desde então, começou a cultuar o filme e a querer seguir um life style parecido com o do protagonista, que não se importa em ter uma existência indolente, sem preocupações ou estresse. Benjamin, que ficou conhecido como o “Dudely Lama” (um trocadilho infame, convenhamos), diz que esta seria, na prática, uma versão moderna do taoísmo. Era só o que faltava mesmo…

Já Gonzalucho não é adepto de nenhuma religião. Até anda cogitando, quem sabe, ingressar no culto do Flying Spaghetti Monster, mas ainda não se decidiu. Na verdade, ele prefere mesmo não se envolver com seita alguma. Afinal, é independente e desconfiado demais para isso

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Já estão à venda em versão eletrônica (ebook) os livros de Luiz Bernardo Pericás publicados pela Boitempo Editorial: o premiado Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica, e o lançamento ficcional Cansaço, a longa estação. Ambos estão disponíveis na Gato Sabido, Livraria Cultura e diversas outras lojas, custando até metade do preço do livro impresso.

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Luiz Bernardo Pericás é formado em História pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP e pós-doutor em Ciência Política pela FLACSO (México). Foi Visiting Scholar na Universidade do Texas. É autor, pela Boitempo, de Os Cangaceiros – Ensaio de interpretação histórica (2010) e do lançamento ficcional Cansaço, a longa estação (2012). Também publicou Che Guevara: a luta revolucionária na Bolívia (Xamã, 1997), Um andarilho das Américas (Elevação, 2000), Che Guevara and the Economic Debate in Cuba (Atropos, 2009) e Mystery Train (Brasiliense, 2007). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.

6 comentários em O sapo Gonzalo em: Igrejas, cultos e religiões

  1. tens sorte por nao ter posto nenhuma imagem de maome neste teu infantil artigo..senao recebias bombas ja ja …

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  2. Luiz,

    a cença em extraterrestres “de luz” é algo que já se tornou tão banal que nem consigo mais achar esquisito. Tem tanta gente “normal” que acredita em ETs que me faz perceber esse tipo de crença mais como uma variante do Espiritismo…

    Abraços,

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  3. Caro senhor, veja: o problema é que nós temos muitos deuses e daí descartar um deles fica muito difícil. Sempre comunguei as mesmas queixas de Gonzalucho, sou um grande desconfiado, a eterna “dúvida”, não descart(es)ada, por Marx, mas o que fazer com meus queridos Villa-Lobos, Wes Montgomery, Piazzolla, John McLaughlin, o divino Luizinho, o pequeno polegar, Rafael (que antece no estilo o nosso Ademir da Guia, e Silva (ambos meias-esquerdas do Corinthians), este – o mesmo que jogou no Flamengo, o nosso Pelé, até no jeitão de andar… contudo, certamente nada como o Gonzalucho pintado por Velásquez, ainda que meio desajeitado em sua nova vestimenta… Rago.

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  4. Sábio Gonzalucho!

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  5. O texto é ótimo, divertido. Toda a herança do Iluminismo parece se esvair nos dias atuais. E tudo que se tentou construir com o socialismo no século XX também está se perdendo. As pessoas se envolvem cada vez com o misticismo e a religião. É como se voltássemos à Idade Média. A crônica também mostra bem a força da cultura pop, do cinema, da música, na vida das pessoas. Filmes deixam de ser apenas filmes, e se tornam canais para a religião. E grandes artistas, músicos de jazz e rock, são transformados em santos. É uma crítica certeira aos nossos tempos. Muito interessante mesmo. Parabéns ao autor.

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  6. Gostei muito. Uma crítica à pósmodernidade. Engraçadíssimo!!!

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