O filho bastardo: sobre a figura política de Celso Russomanno
O fenômeno Celso Russomanno poderia ser colocado na conta da inquebrantável tradição do populismo conservador paulistano. Tradição que já deu para a cidade prefeitos como Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Paulo Maluf (com suas emulações tecnocratas, Pitta e Kassab). Políticos conservadores que, cada um à sua maneira, encontraram alguma forma de se colocar como caixa de ressonância dos medos populares.
Porém é provável que seja necessária uma variável a mais para compreendermos um fenômeno eleitoral sobre o qual todos, até agora, quiseram acreditar que era transitório. Pois se existe alguma coisa em Russomanno que nos remete aos arcaísmos de São Paulo, há algo que deve ser compreendido em outra chave. Na verdade, ele é uma expressão mais bem-acabada de um certo conservadorismo pós-lulista ou, se quisermos, um conservadorismo que aparece como filho bastardo do lulismo.
Entre outras características, o lulismo definiu-se pela aliança política de setores da esquerda brasileira e alas de políticos conservadores à procura de sobrevida ou em rota de colisão com a hegemonia PSDB-DEM.
Tal aliança permitiu, por um lado, a constituição de um sistema de seguridade social de extensão até então inédita no Brasil. Por outro, ela consolidou a ascensão econômica de largas parcelas da população brasileira por meio, principalmente, da ampliação das possibilidades de consumo.
Note-se que tal ascensão econômica, com seu consequente sentimento de cidadania conquistada, não passou pelo acesso a serviços sociais ampliados e consolidados em sua qualidade. Afora a importante expansão das universidades federais, ascensão significou poder pagar escola privada, plano de saúde privado, celular, eletrodomésticos e frequentar universidade privada. Ou seja, os direitos da cidadania foram traduzidos em direitos do consumidor.
Nesse contexto, nada mais compreensível do que um pretenso “patrulheiro do consumidor” aparecer como representante dos anseios da nova classe média. Para quem alcançou a cidadania por meio do consumo (animado por uma igreja que é a representante maior da teologia da prosperidade), a defesa dos direitos segue a lógica do Procon.
Por outro lado, como parlamentar de partidos da base aliada, Russomanno não precisa carregar o peso morto de ser um candidato anti-Lula: o calcanhar de aquiles da política brasileira. De toda forma, como o lulismo foi o resultado de acordos políticos heteróclitos, nenhum basteamento ideológico foi possível. Sempre houve um conservadorismo que cresceu sob as asas do novo governo. Agora, ele se apresenta em voo próprio, como um filho bastardo do lulismo com o populismo conservador.
* Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo, em 04/09/2012.
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Vladimir Safatle participou no último dia 28 de agosto de um debate na USP sobre A ascensão conservadora em São Paulo, com os sociólogos André Singer e Ricardo Musse e com a filósofa Marilena Chaui. Assista abaixo à gravação integral do debate, em 5 partes:
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Os livros de Vladimir Safatle publicados pela Boitempo Editorial já estão disponíveis para venda em versão eletrônica (ebook), em média custando metade do preço dos livros impressos:
Cinismo e falência da crítica, de Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido)
O que resta da ditadura: a exceção brasileira, organizado por Edson Teles e Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido)
Bem-vindo ao deserto do Real!, de Slavoj Žižek (posfácio de Vladimir Safatle) * ePub (Livraria Cultura | Gato Sabido)
Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, coletânea de artigos com textos de David Harvey, Edson Teles, Emir Sader, Giovanni Alves, Henrique Carneiro, Immanuel Wallerstein, João Alexandre Peschanski, Mike Davis, Slavoj Žižek, Tariq Ali e Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido | Livraria da Travessa | Livraria Saraiva)
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Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor visitante das Universidades de Paris VII e Paris VIII, professor-bolsista no programa Erasmus Mundus. Escreveu A paixão do negativo: Lacan e a dialética (São Paulo, Edunesp, 2006), Folha explica Lacan (São Paulo, Publifolha, 2007), Cinismo e falência da crítica (São Paulo, Boitempo, 2008) e co-organizou com Edson Teles a coletânea de artigos O que resta da ditadura: a exceção brasileira (Boitempo, 2010), entre outros. Atualmente, mantem coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo e coluna mensal na Revista CULT. Em 2012, teve um artigo incluído na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, publicada pela Boitempo Editorial em parceria com o Carta Maior.
nào votaria nele ,se tiver segundo turno entre ele e hadad voto nulo
São Paulo ,não merece um cara desse no poder,pois vamos repetir o erro Pita
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Jamais votaria em CR.Outro Pitta.SP não merece nem ele nem Hadad.Paulista é tão trabalhador,tão competente.Ocorre q.aqui não há mais paulistas.Estou receiosa, e assustada com a subida de CR.Deus vai ser Pai e nos protegerá deste maldito.
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Ótima análise. Gostaria de poder assistir ao video postado a respeito do tema ascensão conservadora mas a página está dando erro e algo como desativação. É possível reativar ? Grato.
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Corrigindo: o video está ok – problema em meu PC. Recomendo fortemente a todos que assistam ao debate.
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