Sem planos
Por Vladimir Safatle.*
Segundo uma pesquisa da Mercer, São Paúlo é, atualmente, a 12ª cidade mais cara do mundo. Há alguns dias, a revista inglesa “The Economist” apresentou um estudo no qual São Paulo aparecia como a 92ª cidade do mundo no quesito qualidade de vida.
Ficava atrás de cidades como Buenos Aires, Santiago e Lima. A discrepância entre o que se gasta e o que se tem deveria servir de motor para uma profunda reflexão sobre o modelo falimentar de desenvolvimento e planejamento que impera em nossa maior cidade.
Com isso em vista, era de esperar que a campanha para a prefeitura estivesse embalada pela discussão de programas abrangentes e ousados de governo. No entanto isso não aconteceu.
O fato é que São Paulo não precisa de um prefeito com mentalidade de síndico de prédio, com propostas totalmente desconectadas da escala monumental de seus problemas. Como se algumas ações cotidianas mínimas pudessem mudar radicalmente a cidade.
Também não precisa de alguém que gosta de participar de eleições sem nunca apresentar um programa crível, já que acredita que sua simples presença no embate sirva como garantia para a solução de problemas.
Em momentos críticos de seu desenvolvimento, metrópoles que hoje são sinônimo de qualidade de vida, como Paris, apelaram para grandes intervenções urbanas para modificar seu destino. Certamente, São Paulo precisa de algo parecido.
Nesse sentido, vale lembrar que um dos únicos candidatos a apresentar um verdadeiro programa de remodelagem da estrutura urbana de São Paulo foi Fernando Haddad com seu “Arco do Futuro”: projeto que visa descentralizar a cidade por meio de um corredor circular de grandes avenidas capaz de expandir o centro.
Em qualquer lugar do mundo, os cidadãos teriam o direito de ouvir análises de outros candidatos a respeito de ideias dessa natureza, seja combatendo, seja defendendo. Os cidadãos poderiam comparar projetos, seus custos, resultados e viabilidade. Mas em São Paulo, ao que parece, quem tem menos ideias e quem tem o discurso mais genérico sai na frente.
Mesmo ideias importantes como a extinção do Tribunal de Contas do Município a fim de liberar seu custo (R$ 260 milhões) para ações sociais, como quer Carlos Gianazzi tendem a passar em branco.
Há de perguntar até onde irá essa espécie de consenso mudo em favor do esvaziamento programático do debate sobre o destino de nossa maior metrópole. São Paulo merece deixar de aparecer em artigos mundiais sobre urbanismo apenas como sinônimo de fracasso.
* Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo, em 21/08/2012.
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Os livros de Vladimir Safatle publicados pela Boitempo Editorial já estão disponíveis para venda em versão eletrônica (ebook), em média custando metade do preço dos livros impressos:
Cinismo e falência da crítica, de Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido)
O que resta da ditadura: a exceção brasileira, organizado por Edson Teles e Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido)
Bem-vindo ao deserto do Real!, de Slavoj Žižek (posfácio de Vladimir Safatle) * ePub (Livraria Cultura | Gato Sabido)
Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, coletânea de artigos com textos de David Harvey, Edson Teles, Emir Sader, Giovanni Alves, Henrique Carneiro, Immanuel Wallerstein, João Alexandre Peschanski, Mike Davis, Slavoj Žižek, Tariq Ali e Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido | Livraria da Travessa | Livraria Saraiva)
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Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor visitante das Universidades de Paris VII e Paris VIII, professor-bolsista no programa Erasmus Mundus. Escreveu A paixão do negativo: Lacan e a dialética (São Paulo, Edunesp, 2006), Folha explica Lacan (São Paulo, Publifolha, 2007), Cinismo e falência da crítica (São Paulo, Boitempo, 2008) e co-organizou com Edson Teles a coletânea de artigos O que resta da ditadura: a exceção brasileira (Boitempo, 2010), entre outros. Atualmente, mantem coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo e coluna mensal na Revista CULT. Em 2012, teve um artigo incluído na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, publicada pela Boitempo Editorial em parceria com o Carta Maior.
Guaranhuns que é um modelo de cidade né ???
Se você acha São Paulo tão ruim é que com certeza você ainda não conheçe o resto do Brasil.
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O Hadad não é bem um modelo de “síndico”, os 03 problemas com o Enem, em 03 anos seguidos que o digam! Houve roubo das provas, vazamento de gabarito, nada que o indique para cuidar de uma cidade como São Paulo.
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O texto de Vladimir Safatle merece minimamente uma apreciação descomprometida de ataques ao candidato cuja proposta ele elogia, como primeiro plano da fundamentação. Nesse quesito, particularmente penso o contrário, mas não contradirei aqui o que acabo de dizer, pois não é o caso de se defender aqui como o Haddad conseguiu contornar problemas como o do ENEN, que não foram causados por ele, todo professor bem o sabe, e o fez com o êxito para os estudantes, por mais que se queira afirmar o contrário. Não se atenta com isso para o que V.S. ressalta, que não se pode deixar esvaziar da discussão aquilo que visa o bem-estar da população, deixando-se levar por propaganda enganosa.
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