Mostrar o elefante
Há várias maneiras de esconder um elefante. Uma delas é apresentando suas partes em separado. Em um dia, aparece a pata. No dia seguinte, você mostra a tromba. Passa um tempo e vem a cauda. No fim, não se mostra o elefante, mas uma sequência de partes desconectadas.
Desde o início, o mensalão foi apresentado pela grande maioria dos veículos da imprensa nacional dessa maneira. Vários se deleitaram em mostrá-lo como um caso de corrupção que deixaria evidente a maneira com que o PT, até então paladino da ética, havia assegurado maioria parlamentar na base da compra de votos e da corrupção. No entanto o mensalão era muito mais do que isso.
Na verdade, ele mostrava como a democracia brasileira só funcionava com uma grande parte de seus processos ocultados pelas sombras. O jogo ilícito de financiamento de campanha e de uso das benesses do Estado deixava evidente como nossa democracia caminhava para ser uma plutocracia, independentemente dos partidos no poder.
Como a Folha mostrou em uma entrevista antológica, o então presidente do maior partido da oposição, o senador Eduardo Azeredo, havia sido um dos idealizadores desse esquema, que, como ele mesmo afirmou, não foi usado apenas para sua campanha estadual, mas para arrecadar fundos para a campanha presidencial de seu partido.
Não por acaso, o operador chave do esquema, o publicitário Marcos Valério, já tinha várias contas de publicidade no governo FHC. Ninguém acredita que foi graças à sua competência profissional.
Ou seja, a partir do mensalão, ficou claro como o Brasil era um país no qual a característica fundamental dos escândalos de corrupção é envolver todos os grandes partidos.
Mas, em vez de essa situação nos mobilizar para exigir mudanças estruturais na política brasileira (como financiamento público de campanha, reformas que permitissem ao partido vencedor constituir mais facilmente maiorias no Congresso, proibição de contratos do Estado com agências de publicidade etc.), ela serve atualmente apenas para simpatizantes de um partido jogar nas costas do outro a conta do “maior caso de corrupção do pais”.
No entanto essa conta deve ser paga por mais gente do que os réus arrolados no caso do mensalão. O STF teria feito um serviço ao Brasil se colocasse os acusados do PT e do PSDB na mesma barra do tribunal. Que fossem todos juntos!
Desta forma, o povo brasileiro poderia ver o elefante inteiro. Com o elefante, o verdadeiro problema apareceria e a indignação com a corrupção, enfim, teria alguma utilidade concreta.
* Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo, em 07/08/2012.
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Os livros de Vladimir Safatle publicados pela Boitempo Editorial já estão disponíveis para venda em versão eletrônica (ebook), em média custando metade do preço dos livros impressos:
Cinismo e falência da crítica, de Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido)
O que resta da ditadura: a exceção brasileira, organizado por Edson Teles e Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido)
Bem-vindo ao deserto do Real!, de Slavoj Žižek (posfácio de Vladimir Safatle) * ePub (Livraria Cultura | Gato Sabido)
Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, coletânea de artigos com textos de David Harvey, Edson Teles, Emir Sader, Giovanni Alves, Henrique Carneiro, Immanuel Wallerstein, João Alexandre Peschanski, Mike Davis, Slavoj Žižek, Tariq Ali e Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido | Livraria da Travessa | Livraria Saraiva)
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Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor visitante das Universidades de Paris VII e Paris VIII, professor-bolsista no programa Erasmus Mundus. Escreveu A paixão do negativo: Lacan e a dialética (São Paulo, Edunesp, 2006), Folha explica Lacan (São Paulo, Publifolha, 2007), Cinismo e falência da crítica (São Paulo, Boitempo, 2008) e co-organizou com Edson Teles a coletânea de artigos O que resta da ditadura: a exceção brasileira (Boitempo, 2010), entre outros. Atualmente, mantem coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo e coluna mensal na Revista CULT. Em 2012, teve um artigo incluído na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, publicada pela Boitempo Editorial em parceria com o Carta Maior.
Acredito que um acontecimento desses sem a participação ativa da grande população vira um jogo entre a classe dominante do Brasil consigo mesma. O espetáculo está armado; quem ganhará no final é a grande mídia- como detetives detentores da missão pela verdade, e a parcela da classe dominante que luta contra a outra parcela. Há muito que lutar ainda. Como disse Mészáros: lutar contra a corrupção é importante, mas o próprio sistema capitaista é compatível com a corrupção.
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Prezado Vladimir:
Leio sempre seus artigos e admiro muito sua inteligência e conhecimento dos assuntos referentes à política brasileira e internacional. Sou aluna de mestrado e seus escritos, tanto quanto suas opiniões no Jornal da TV Cultura tem me ajudado muito a construir conhecimento para participar novamente da vida acadêmica, da qual fiquei afastada durante muitos anos.
Parabéns! Siga em frente!
Atenciosamente.
Mônica Aparecida de Oliveira
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Professor Safatle
Gostaria de saber como o financiamento público de campanha impediria o Caixa 2 de campanha. Além disso, Stefan Molineux manda um abraço!
Gabriel Warken C.
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