De bar em bar XIX: Salada Record e Salada Paulista

Por Mouzar Benedito.

— Caixinha!

— Obrigado!

Até hoje se chama de “caixinha”, em São Paulo, a gorjeta para balconista de boteco. Uma música “antiha” de Juca Chaves termina com um “caixinha… obrigado”. Mas pouca gente sabe como começou essa história.

São Paulo já era a grande metrópole brasileira nas décadas de 1950 e 60, mas continuava tendo uma coisa bem interiorana: o footing, quer dizer, o hábito de ficar andando pra lá e pra cá na calçada, o que aqui propiciava, além de um pouco das tradicionais paqueras do footing, um monte de reencontros.

A área tradicional dessa caminhada à toa, que tinha a vantagem de não custar nada — ao contrário dos pontos de encontros atuais, os bares badalados, caríssimos (tá certo que nos shoppings atuais também se faz mais ou menos isso, mas não é igual, a começar pelo ambiente popular mais democrático e agradável) — era nas avenidas São João e Ipiranga. Quando começava a escurecer, a região ia sendo ocupada por milhares e milhares de pessoas andando à toa, sozinhas ou em grupos. Quem vinha de fora, fazer compras ou passear, também não dispensava o passeio noturno pela região. Para nós do interior e de outros estados, até mesmo do exterior, ir lá era certeza de encontrar algum conterrâneo que trouxesse notícias frescas das nossas terras.

Havia “pontos” certos de encontro de certas comunidades ou nacionalidades. Num pedacinho da Ipiranga, só se via grupinhos falando em árabe, noutro em italiano… e em pontos específicos das duas avenidas reuniam-se regularmente migrantes oriundos de vários estados e/ou cidades.

Vale lembrar que nessa época, antes da decadência do centro, os bons cinemas eram na sua maioria na região central: Marrocos, Paissandu, Metro, Olido, Lido, Comodoro, Metrópole, Ipiranga, Marabá, República, Barão, Ouro… Neste último havia concertos de pianos antes de cada sessão. E havia um pouco mais longe os cinemas que só passavam filmes “de arte”, Bijou, Arouche e Coral, e na Liberdade outros que exibiam exclusivamente filmes japoneses, especialmente de samurais, como o Nippon e o Niterói.

Pois justamente ali no coração do “centro novo” havia dois restaurantes populares dos mais tradicionais de São Paulo. Ambos com grandes balcões, altos, pois não havia cadeiras e comia-se de pé, no balcão. Eram a Salada Record, na São João, e Salada Paulista, na Ipiranga, ambos com cardápio semelhante, com pratos numerados, desde os tradicionais risotos de frango (ou, mais caro, o risoto à catarina, com uma fatia de presunto e um ovo frito em cima), o arroz de braga (não existe mais, que pena) e principalmente a salada de batata com salsicha, o prato mais pedido à noite.

Na hora do almoço, era uma procura danada, havia relativamente poucos restaurantes. Formavam-se filas atrás de cada pessoa que almoçava de pé, no balcão da Salada Record. Eu mesmo atribuo meu hábito de comer rápido demais ao fato de ficar incomodado quando comia, com gente atrás esperando eu sair.

Mas voltando ao início desta história, na Salada Record, os garçons não ficavam com o dinheiro da gorjeta, que era todo colocado numa caixinha de sapato e depois distribuído igualitariamente por garçons e cozinheiros. Então, quando a gente deixava uma gorjetinha para o garçom, ele o colocava na caixinha, gritando:

— Caixinha!

E todos os garçons respondiam alto e em coro:

— Obrigado!

Era uma festa.

***

Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

7 comentários em De bar em bar XIX: Salada Record e Salada Paulista

  1. Bem lembrado……….. até hoje praticamente toda a semana faço em casa a receita da tal Salada Paulista……Batatas , ovos cozidos, salsichas e os molhos de maionese, catchup e mostarda….. meus filhos curtem pacas!!!!!!!!!

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  2. Gilson gomes // 27/04/2014 às 12:31 am // Responder

    Estava vendo um programa na fox like há pouco e vi uma materia de um restaurante de Los Angeles, que era idêntico ao Salada Paulista da Ipiranga. Fui ver no google se haveria slguma coisa, e apesar de nosso país não ter história, me deparei com esta matéria. Simplesmente fantástica. Me recordei que quando era guri, nos anos 60, fomos no cinema, ver a versão color de ‘E o vento levou’ e não me recordo se em frente ou ao lado tinha o Salada Paulista, e lá lanchamos. Não me recordo o que comemos, mas me lembro bem que ao meu lado um homem, bem vesrido, com uma loira linda de olhos azuis, estavam comendo batatas com salsichas. Bendita época em que o tempo corria lentamente, as pessoas eram mais civilizadas, amigas. Posso não ter achado uma matéria com muitas informações, detalhes, porém o que achei, mexeu com emoções. E com emoções é que a gente vive e sobrevive. Valeu Mouzar.

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  3. anna maria cunha // 29/07/2014 às 2:25 am // Responder

    adorava ir na salada paulista quando era menina com meus irmaos
    nao tem mais?que pena bns tempos dos militares.agora e pt

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  4. Norberto Acquarone // 18/11/2014 às 2:13 pm // Responder

    Frequentei muito o Salada Paulista na minha adolescência. Uma coisa que me lembro é que o balcão alto onde a gente comia era de mármore e os atendentes iam marcando com lápis, a sua conta, na pedra branca. Na hora de pagar eles somavam, cobravam e depois, com um pano úmido apagavam e tudo estava pronto para o próximo freguês.

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  5. Toda essa riqueza destruída na década de 80 por uma estapafúrdia prefeita que transformou o centro em depósito de estrume.
    Foi a derrocada final dessa cidade da mentira !

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  6. Foi na década de 50 lembro muito bem e os comentários acima descrevem muito bem, Salada Paulista da ipiranga, no tempo do Juca pato na são joão, na Salada da ipiranga na parede da
    direita frente ao balcão estava o retrato da dona BERTA a fundadora ou iniciadora da salada
    paulista, o prato preferido meu era: Um par no prato, (duas salsichas no prato com a salada de batatas) ……Ou Hamburgo..(.Hamburguer mais salada) Ou Croquete:(croquete mais salada)..
    Hoje aos 85, vejo que tem coisas mais sofisticadas mas não com o mesmo prazer em comer.
    A. Hadykian julho de 2018

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  7. Silvio Moraes // 27/03/2019 às 3:43 pm // Responder

    Bahhh, que show de texto. Meu pai foi embora do RS com apenas 14 anos de idade em 1951 e trabalhou como garçom em ambos, Salada Record e Salada Paulista. Morou na capital 11 anos e veio de volta para o sul, eu cresci ouvindo as histórias daqueles tempos mágicos. Vou a São Paulo semana que vem e quero visitar os locais.

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