Paraty, para muito poucos

Por Emir Sader.

A indústria do livro foi se elitizando conforme os livros foram ficando cada vez mais bonitos, quase como obras de arte em si mesmos, lindos para adornar estantes. Ótimo que as capas e as edições dos livros fossem ficando cada vez mais bonitas. Mas pena que isso fora mais um fator de elitização da leitura – livros mais caros, gente rica comprando livro como adorno, dificuldade de acesso a grande parte dos jovens.

Há uma belíssima edição da peça de Brecht, Santa Joana dos Matadouros, que em consequência, tem um preço caro. Paradoxo, porque Brecht foi dos que mais se preocupou que as coisas que ele escreveu chegasse às mãos “dos que mais necessitam da verdade”, certamente poucos dos que gastam muito para comprar uma peça de teatro, em capa dura, ilustrações e preço nas alturas.

Por isso também eu não tenho nenhuma simpatia para a tal Feira de Paraty, que apenas consolida o caráter elitista de grande parte da produção editorial. O lugar escolhido – lindo -, mas ultra seletivo pelo acesso, mas principalmente pelos preços, ainda mais que cabe pouca gente. Nenhuma contrapartida de grandes conferências em grandes espaços públicos de outras grandes cidades brasileiras. Parece que se joga justamente com o exclusivismo, com o gasto enorme que se pode fazer, para dizer: “Eu estive na Flip, em Paraty.”

Uma vez organizou-se uma Feira do Livro para Jovens na Baixada Fluminense, com enormes dificuldades. Nenhuma das grandes editoras apareceu, a imprensa praticamente ignorou. Não tem charme fazer atividades de livros para jovens das periferias, ainda mais em lugar “perigoso” como a Baixada.

Autores estrangeiros, escolhidos pelas próprias editoras que vão lançá-los aqui, em conivência com as agências literárias, contando com a cobertura enorme de meses antes do evento e um tempo depois, de jornalistas provincianos, boquiabertos diante da possibilidade de conviver com autores que eles soó conheciam em livrarias.

Nada significativo para a cultura nacional. A literatura e o ensaísmo latino-americanos com muita pouca ou nenhuma presença. Consolida-se a imagem que cultura é coisa de elite, cara, excludente em relação aos jovens. Completa 10 anos esse festival. O mesmo tempo em que o Brasil passa pelas maiores transformações de democratização social da sua historia. Mas quem olhasse para essa Feira, pode pensar que ela se realiza em Ibiza, em Cannes ou no Haway, tão pouco tem a ver com o Brasil.

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A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana é o primeiro livro de Emir Sader pela Boitempo a ganhar versão eletrônica (ebook), já à venda por apenas R$20 na Gato Sabido, Livraria da Travessa e iba, dentre outras.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

11 comentários em Paraty, para muito poucos

  1. Adriano Haas // 04/07/2012 às 6:58 pm // Responder

    Ok Emir, concordo com vc, os livros hj não são baratos. Mas vc não acha q aqueles antigos, muitos dos quais só existiam em capa dura, eram mais caros? E o q dizer dos livros da Boitempo, uma editora identificada com a nossa Esquerda. Q são ótimos e lindos…mas estão longe de serem baratos…

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  2. maria isa tavares jinkings // 04/07/2012 às 7:00 pm // Responder

    Impressionante atestado de lucidez e bom senso.

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  3. Gosto muito das publicações da Boitempo mas acho questionável a estipulação de preços mostrados no catálogo da editora por meio de seu site. Questionável por que penso que a mesma se fundamenta numa política de tendência monopolista estabelecida pela livraria Cultura e obedecida pela grande maioria das editoras nacionais.
    Imagino não estar fazendo afirmação absurda, já que à mais superficial pesquisa de preços em sites de livrarias com atendimento / venda on line é possível se constatar uma espécie de acordo entre editoras brasileiras e a livraria Cultura no momento de se estabelecer os valores de uma parte significativa das publicações no país.
    Seria interessante que a Boitempo repensasse ao menos o modo como os valores estipulados para suas publicações é disponibilizado em seu próprio site para estimular ao menos minimamente a concorrência entre os comerciantes do ramo. “Ao menos a concorrência!”

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    • boitempoeditorial // 06/07/2012 às 6:06 pm // Responder

      Prezado, gostaríamos de esclarecer que quem estabelece os preços de capa da Boitempo é a própria editora, levando em consideração (dentre outros aspectos – já abordados em nossa carta aberta “Sobre o acesso ao livro no Brasil” [https://goo.gl/UGb0z]) o desconto que oferece a distribuidores e livrarias. Ficamos à disposição para demais esclarecimentos!

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  4. joseh brito // 05/07/2012 às 1:07 am // Responder

    Quais são as principais metas desta feira? Talvez a resposta a esse questionamento explique “essa elitização” citada por Emir.

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  5. Eu penso exatamente assim. A FLIP é apenas jogada de marketing. Está mais para a SP Fashion Week do que para uma proposta de alavancar a questão da leitura no Brasil.
    Mary Lopes

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  6. Sergio Leopoldo // 05/07/2012 às 11:53 pm // Responder

    Totalmente de acordo: festa elitizada e financiada com dinheiro público!

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  7. Concordo com você, Emir. A fetichização da literatura no Brasil é emblemática ao analisarmos a FLIP. Uma festa para ricos, cujo adorno maior é dizer que esteve presente. E falando em adorno, o que diria o filósofo alemão Adorno sobre isso?

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  8. Aqui em Belém do Pará, norte do Brasil, alma da Amazônia, em busca da democratização do acesso ao livro, lutando por políticas efetivas do livro e da leitura, nossa ação concreta é para que o autor local e sua produção literária seja conhecida, lida e os autores deste imenso Estado tenham chance de chegar às escolas – uma vez que o governo não adquire nossos livros – com seus textos, criamos o Jirau da Literatura, que a duras penas, sem apoio e com imensas dificuldades ,vai se espalhando pelas beiradas dos rios e nos municipios mais distantes e nosso trabalho é criar bibliotecas( acessem o blog para ver e saber de nosso trabalho: slaredo.blogspot.com) em toda parte – inclusive ns embarcações, nos hotéis e pousadas e principalmente nas escolas e enquanto o político partidário vai atrás do eleitor pelo egoismo do voto , vou atrás de formar leitor, para que, com consciência crítica e política, lute por uma socidade mais justa, menos desigual, sobretudo nesta região sempre saqueada pelos poderoso e inobstante os entraves , prosseguimos . Observando a ” festa” e então, em Paraty, concordo, acato e divulgo a opinião do Emir Sader, que faço minha, também ,e comungo com o que o Filipe e os demais demonstram sobre o tema FLIP, uma festa para ricos.

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  9. crítica rápida e rasa. transformando tudo em fla x flu. mas ao que tudo indica, bem ao gosto de alguns leitores.

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