Observador de pássaros
São Paulo sempre tem novidade no pedaço. Nos últimos tempos, muitos paulistanos vêm descobrindo um prazer que vem desde que éramos mais ligados no mundo ao redor: observar passarinhos. Sim, aqueles bichinhos que voam por aí. Sim, mais de uma centena de espécies de aves (há quem some 142) que escolheram São Paulo como morada.
Sei de gente que todo domingo sai de binóculo, gravador e bloco de anotações para ver, gravar ou descrever as várias situações das aves em liberdade. Outras fotografam ou filmam. Na minha rua, há moradores que colocam água, frutas e sementes nos fundos de casa. Uma vizinha no meu prédio, a Nina, coloca todo dia alimento na sacada do apartamento. No fim da tarde, a sua janela e a árvore em frente lembram a passagem de São Francisco, que contam vivia por onde andava cercado de todo tipo de aves.
Sou um simples e humilde observador de pássaros. Todo santo dia, vejo da janela do meu apartamento os mais variados tipos: sabiá-laranjeira, bem-te-vi, rolinha, periquito. São, sem dúvida, a presença mais evidente da natureza na cidade. Talvez por isso saiba de cor e salteado todas as características de um sabiá e reconheço de longe um tiziu, por exemplo.
Ave pequenina, o tiziu tem 10 cm de comprimento. Pertence à família dos fringilídeos (Volatinia jacarina jacarina), na qual figuram ainda o tico-tico e o pardal. O macho é preto-azulado e a fêmea, pardo-olivácea, com listras amarelas no dorso e asas. Ao emitir o seu canto (ti-ziu), tem o hábito de dar um salto vertical, de aproximadamente um metro de altura, retornando ao lugar onde está pousado. Conhecido também como serra-serra, tiam-tam-preto, alfaiate, veludinho, vive em regiões de São Paulo à Bahia, de Mato Grosso à Amazônia. Aparece em bandos quando há comida.
Tenho uma identificação afetiva e sentimental com os pardais. Parecem que cumprem um destino na face da Terra. Dizem que foram trazidos da Europa por um prefeito carioca para “em beleza raurbe” e, segundo alguns, virou praga nacional. São, no entanto, inofensivos e, mesmo sendo aves tão comuns, distraem e embelezam o dia-a-dia.
Num certo dia, resolvo observar com mais atenção um diminuto pardal. Só faltou pegá-lo em minhas mãos. Tinha saído do trabalho na Avenida Alfredo Egídio de SouzaAranha, na Granja Julieta, com tempo de sobra pela frente na tarde de verão. Tudo claro, o relógio marcava sete horas. De repente, um pardal surge detrás de uma árvore. Por pouco, e por muita sorte dele, quase o pisoteio. Em fração de segundos, pulo de lado com a agilidade de um atleta e – ufa! – o pequeno animal está a salvo do solado tamanho 42. Ele, no entanto, segue calmamente o caminho e nem tinha se assustado com o meu brusco movimento.
Acompanho os diminutos passos pela avenida cercada de carros. Ele segue pela calçada, saltitante, e em nenhuma ocasião tenta levantar voo. Acho estranho. Descubro, em seguida, que ele tem a asa esquerda tombada para o lado, quase arrastando no cimento. Na certa, estava fraturada. Imagino até a bicada de um revoltado pombo ao disputar um resto de comida nos meios-fios da metrópole.
Sigo em seu encalço. No final da avenida, ele entra à esquerda numa rua de terra. Cauteloso (há gatos na região), saltita até a divisa da rua com um terreno baldio. Olha para os lados. Detecta os meus olhos perscrutadores, mas não parece ter medo da minha presença. Então, atravessa por um buraco, no rés do chão, e penetra no pequeno matagal. Na parte do muro tombado, continuo a observar sua intenção. De repente, minhas retinas gravam um momento de intensa pureza: o pardal de asa dolorida faz um grande esforço e regurgita o alimento guardado em sua garganta na boca, uma por uma, de três filhotes famintos.
Embora não seja um ornitólogo, nem mesmo amador, sei pelos livros que os pardais fazem ninhos em árvores, como a maioria dos pássaros. A incapacidade momentânea, no entanto, fez dele um improvisador. Mas, confesso, isso me amedronta. No convívio urbano, os pardais estão perdendo o seu espírito das matas e, lado a lado com os humanos, cada vez mais se domesticam. Como as galinhas. Tenho receio que, no futuro, a gente perca de vista os pardais voando sobre nossas cabeças, mas pulando no asfalto como se vivessem em cativeiro. A transformação das espécies prova isso: o mundo hoje está cheio de homens domesticados que, há muitos e muitos anos, esqueceram o dom de voar.
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Roniwalter Jatobá nasceu em Campanário, Minas Gerais, em 1949. Vive em São Paulo desde 1970. Entre outros livros, publicou Sabor de química (Prêmio Escrita de Literatura 1976); Crônicas da vida operária (finalista do Prêmio Casa das Américas 1978); O pavão misterioso (finalista do Prêmio Jabuti 2000); Paragens (edidado pela Boitempo, finalista do Prêmio Jabuti 2005); O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005), O jovem Fidel Castro (2008) e Contos Antológicos (2009). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.
A necessidade de nossa ligação com a natureza pode ser atendida mesmo nos grandes centros urbanos. Gostei!
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Muito bom adorei esse post muito bom vou sempre visitar!
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Boa tarde! alguem poderia me explicar por que sumiram as rolinhas, pardais de meu terraço. Colocava comida pras esses passaros e aqui no meu terraço ficava cheio deles, era lindo. Tres dias atras elas sumiram, não vejo nenhuma, não vem mais aqui, não tenho gato e nem tem pela vizinhança, era lindo esses passaros tão alegres, simplesmente sumiram. O que poderia ter acontecido
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Olá
Sempre vou para Caraguatatuba e esse fds vi um passar o que nunca vi antes na região. Lembra uma garça pelo tamanho, porém tem o bico bem fino penas cinza no corpo quase prateadas e pescoço um amarelo que o sol lembra dourado muito linda tirei fotos se quiser eu mando. Achei que ela não é de lá tinham 2.
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