Fotos, golpes, pitbulls e a realpolitik…
Dias de fotos emblemáticas, fatos inesperados e o rosnar de pitbulls, quero dizer, dos analistas políticos do Partido da Imprensa Golpista, para os quais, aliás, o presidente do Equador Rafael Correia, em discurso no encerramento da Rio+20 foi brilhante, ao explicar didaticamente para incautos e incultos o significado da guerra silenciosa entre os que querem um mundo melhor e os indefectíveis defensores da treva enfiados nas redações de jornalões, revistões e televisões.
Guerra dissimulada sim, esta que se trava entre o que resta de dignidade ao mundo atual e os pitbulls da mídia nativa e internacional. Mundo em que tudo se transformou e se transforma em mercadoria, principalmente a opinião desses jornalistas pagos para defender os próprios interesses e também os interesses da imprensa “democrática”, isto é, a sua.
Desmascarar os pitbulls e citar-lhes os nomes já não é preciso. Basta, para aqueles que ainda têm estômago, assistir a alguns telejornais, ler três ou quatro pasquins do Rio de Janeiro e São Paulo e duas revistas semanais e está formada a rede de informação que se transformou em partido político de viés direitista e conservador não registrado (ainda) nos Tribunais Superiores Eleitorais.
Esse mesmo partido que acaba de ajudar a “destituir sumariamente” (novo eufemismo para golpe de estado, segundo nota do governo brasileiro) o presidente paraguaio Fernando Lugo.
Numa fotografia amarelada pelo tempo, mas ainda presente nas paredes das salas de latifundiários, especuladores financeiros, empresários de enriquecimento fácil, empresários midiáticos, algumas casernas, altares empedernidos e políticos venais, pode-se distinguir com razoável nitidez as impressões digitais do tal rito sumário: o governo dos Estados Unidos da America e a Igreja foram os primeiros a reconhecer e apoiar o novo governo paraguaio.
O golpe de estado é, antes de tudo, um câncer que afeta a democracia. Ensaiado há três anos em Honduras dentro de nova configuração política da América Central e do Sul, já que invoca a própria constituição do país em defesa dos interesses golpistas, volta a ser praticado no vizinho Paraguai.
Início de uma metástase? Se assim for, é preciso cortar o mal pela raiz, já. Não é nada difícil descobrir na constituição de cada país artigos que possibilitem o impeachment de um presidente da república. Ou presidenta.
Toda indecisão, tibieza, vacilo ou indiferença ante o golpe perpetrado em Assunção poderá significar a retomada de um passado que os povos sul americanos gostariam de ver erradicado para sempre. Em particular indígenas, negros, trabalhadores da cidade e do campo, ainda que disto muitos não tenham a consciência política, mas apenas a necessidade orgânica.
Antecedendo ao golpe de estado no início da semana, mas não menos importante, a aliança política com o grande corrupto e financiador da violenta repressão no Brasil dos anos 1960, assinada entre o PT e Paulo Maluf não se justifica, quanto a mim, sob nenhuma hipótese. E não me venham para cá com exemplos de realpolitik ou coisa que o valha, pois admito que, em determinadas circunstâncias políticas, se façam alianças entre adversários políticos e mesmo ideológicos. Mas com um homem que é procurado pela Interpol por prática de altíssimo grau de corrupção é um tapa na cara de milhões de brasileiros.
Paulo Maluf desviou para paraísos fiscais milhões de dólares roubados do povo brasileiro e ajudou a financiar um dos mais violentos aparelhos repressivos no país, a Operação Bandeirante (Oban), que se tornaria o embrião do Doi-Codi, onde se torturou e matou cidadãos brasileiros que um dia lutaram para derrubar a ditadura e pela volta da democracia ao Brasil.
Coisas do passado, já dizem alguns. Até porque, dizem outros, a direita nesse momento se chama José Serra. São coisas do passado?!… Como?!… Coisas do passado?!… Quer dizer, então, que a Comissão da Verdade é mesmo uma brincadeira? Uma areia nos olhos de ingênuos como eu? Ela também trata de coisas do passado… Se Maluf é coisa do passado e pode ser “perdoado”, os torturadores também podem, por que não? Coisas do passado pois foram todos anistiados, dizem os ladinos.
E assim corre a noviça democracia brasileira, movida a eleições de dois em dois anos, cuja engrenagem procura compor alianças – a maioria delas espúrias – em nível municipal, estadual e federal. O que esperar do combate a corrupção se na maior capital do país, num estado também campeão na corrupção com seus rodoaneis, metrôs, varrições e privatarias, o partido da mudança estende a mão a alguém que se sair do país é preso pela Interpol? Penso que uma aliança com o PCC de Marcola poderia também ser útil dentro da propalada realpolitik. Ou ele já está comprometido com o outro candidato?
Esse jeitão de fazer política enfraquece a democracia, pois consolida em milhares de eleitores a certeza de que os políticos são todos ‘farinha do mesmo saco’. E democracias enfraquecidas se tornam um prato cheio para aventuras golpistas. Honduras, Paraguai, nuvens escuras em horizontes bolivianos e a hidra tenta botar a cabeça de fora. Quem paga para ver? A realpolitik?
Espero, sinceramente, que Fernando Haddad vença as eleições para a prefeitura de São Paulo. Se assim for, com toda a certeza isso não terá sido pela aliança com o PP de Maluf. Esta, a aliança, manchará a biografia do ex-presidente Lula para sempre, queriam ou não os defensores da realpolitik. E não adianta tapar o sol com a peneira.
Repito aqui uma das minhas frases favoritas e que foi enunciada pelo grande Albert Einstein: “a grande diferença entre um estúpido e um gênio, é que o gênio tem seus limites”.
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Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
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