A Touperinha em ebook
De todos os livros que eu escrevi até agora, A nova toupeira (Boitempo, 2010) é o que me deu mais gosto. Em primeiro lugar, porque se tratava de dar conta de uma virada progressista no Brasil e na América Latina, portanto convivia com o sentimento gostoso da capacidade da esquerda no continente de revirar a correlação de forças, uma vez mais, para retomar iniciativa, derrotar a direita, mostrar seu potencial e saber se adaptar às novas circunstâncias históricas, para voltar a transformar positivamente nossas sociedades.
Foi bom também porque foi um livro que eu fiz em pleno movimento, em plena ação, já na direção de Clacso [Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales], sem poder me retirar um momento para escrevê-lo. O livro sofreu dessas circunstâncias, teve dificuldades para poder ser editado, com repetições, imprecisões etc., típicas das condições em que foi escrito.
Mas o maior prazer foi ser contemporâneo das transformações na América Latina. O livro conseguiu captar a natureza nova dos governos latino-americanos, enquanto forças da própria esquerda não conseguiam reconhecer os novos fenômenos, tentando reduzi-los aos governos que os antecederam e se equivocaram redondamente.
O livro usa a categoria de pós-neoliberalismo para designar governos que se caracterizam por três aspectos essenciais: a prioridade das políticas sociais em relação aos ajustes fiscais; a prioridade dos processos de integração regional – na América Latina e com o Sul do mundo – em relação aos Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos; o resgate do Estado indutor do crescimento econômico e garantia das políticas sociais no lugar do Estado mínimo.
Considero hoje que diagnóstico e a caracterização foram corretas, no fundamental. Provavelmente isso é que levou o livro a ter uma edição da Siglo XXI em Buenos Aires, uma da editora Viejo Topo de Barcelona, e agora, mais recentemente, da editora Verso de Londres, a editora da revista marxista britânica New Left Review.
A America Latina requer agora uma atualização das análises da Nova Toupeira. Seja porque já vai se completando uma década de pós-neoliberalismo, seja porque novos problemas estão sendo enfrentados, com dificuldades muito caras. Os governos tiveram que enfrentar os desafios a partir de Estados e economias muito enfraquecidos, desindustrializados, financeirizados. A exportação de produtos primários e de recursos energéticos tornou-se um ponto fundamental de apoio para obter os recursos necessários às próprias políticas sociais. Mas essa via se choca, entre outros, com a questão da relação entre desenvolvimento econômico e social por um lado, proteção meio ambiental por outro – questão central hoje que, se adequadamente resolvida, tem sido fator de desgaste na relação entre esses governos e movimentos populares. Estes mesmos se dividem em relação às formas de encarar os problemas.
Essa é apenas uma das questõess contemporâneas para que a segunda década de governos pós-neoliberais possa consolidar sociedades mais justas e solidárias, fazendo com que a América Latina se confirme como um polo progressista, diante do centro do capitalismo em crise, porque envolto ainda no modelo neoliberal, que estamos em via de superar.
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A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana é o primeiro livro de Emir Sader pela Boitempo a ganhar versão eletrônica (ebook), já à venda por apenas R$20 na Gato Sabido, Livraria da Travessa e iba, dentre outras.
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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.
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