De bar em bar XVI: Quase fui dono de boteco

Por Mouzar Benedito.

Era um ponto micado, nada — ou melhor, nenhum dono — conseguia levantar o Bar da Praia, que ficava onde hoje funciona uma casa lotérica, na esquina da Fradique Coutinho com a Wizard, na Vila Madalena. No final da década de 1970, muito antes da Vila Madalena se encher de botecos, era um dos poucos lugares pra gente ir, mas mesmo assim vivia vazio, enquanto o Sujinho, a uma quadra dali, vivia cheio.

Trocou de dono várias vezes, mas continuava vazio.

Um casal amigo — Airton e Judite — morava na rua Fradique Coutinho, perto desse bar, e a gente ia sempre lá. Raramente mais de uma mesa estava ocupada.

Nem podíamos imaginar que um dia a Vila Madalena ia virar esse amontoado de bares que virou, mas pensávamos que aquele bar podia virar um lugar legal. O dono estava a fim de vender, pois como os que o antecederam, não levantou o ponto. Chegamos a pensar em pular de fora para dentro do balcão, mesmo sabendo que são raros os exemplos bem-sucedidos de fregueses que viram donos de botecos.

O Airton tinha um dinheirinho e eu, desempregado, já no início da década de 1980, seria o sócio dele. Ele entraria com a grana e eu com uma parte do trabalho. A Célia, minha namorada, brincava dizendo que eu seria o chamariz, pois conhecia quase todo mundo no bairro.

Começamos até a imaginar como seria o nosso boteco. Minha proposta de nome era “Sem Música”. Não por não gostar de música, mas, ao contrário, por gostar muito. Acho um horror a música ficar competindo com a conversa nos botecos. Música é pra ouvir calado, ou mesmo cantar junto, não para servir de fundo pra conversa de quem não está nem ouvindo o que está tocando. Na época já havia uns babacas desses que param o carro na porta de um bar e ligam o som, mas eles não seriam servidos por nós. “Ou desliga essa merda ou não vai beber nada aqui”, seria o tom inicial para falar com os ditos-cujos.

O cardápio, eu imaginava uma coisa simples: bolinhos de carne, mandioca, arroz… uma sopa no fim da noite e só, de comida. De bebida, duas boas marcas de cerveja clara e outras escuras (havia algumas ótimas, como a Brahma Hércules), poucas marcas de vinhos dos melhores que o Brasil produzia e algumas poucas de importados, uma boa vodka nacional e uma russa, uma marca menos ruim de uísque nacional e umas duas ou três de escocês… por aí. Pouca variedade mas boa qualidade. Não venderíamos coca-cola nem cerveja em lata. Na época, havia um hábito que eu achava muito imbecil: abria-se a cerveja em lata, colocava-se sal e limão na borda da abertura para beber… No nosso bar não haveria isso.

Tudo certo, nosso plano só esbarrou numa coisa: o Airton queria que eu ficasse no caixa. Não dava. Tentei argumentar que meus amigos eram todos duros e eu tinha pena. Eles beberiam, beberiam, beberiam e comeriam, depois pediriam para pendurar a conta, incluindo um dinheiro que eu emprestaria a eles pra pegar um táxi pra ir pra casa. Iríamos à falência em pouco tempo. Propus que a Judite ficasse no caixa, com um argumento que ela não gostou nem um pouco:

— Ela fica mal encarada lá, ninguém vai ter coragem de pedir fiado.

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Sobre a história da Vila Madalena, recomendamos a biografia do bairro escrita por Enio Squeff, Vila Madalena: crônica histórica e sentimental (Boitempo, 2002), da Coleção Pauliceia, à venda nas livrarias e em breve em ebook!

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

6 comentários em De bar em bar XVI: Quase fui dono de boteco

  1. Clovis Pacheco F. // 20/06/2012 às 9:04 am // Responder

    Mouzar, fizeste bem em não abrir o bar! Ias dar com os burros n’água, com tantos amigos duros e pinguços, eu entre eles!

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  2. Ah, Mouzar, que belo barzinho a cidade perdeu… Mas ainda dá tempo, não quer repensar? Eu ia virar freguesa! Beijo!

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    • Mouzar Benedito // 21/06/2012 às 2:15 pm // Responder

      Oi, Bibiana,
      Continuo sem dinheiro, teria que entrar com o serviço. Quem sabe você entra com o capital e eu com o trabalho? Eeeebbbbaaaa! Vai ser bom. Beijos.

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  3. Ô, ô… Só se for “O capital”, do Marx! hahaha

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  4. Mouzar Benedito // 23/06/2012 às 2:56 pm // Responder

    O Marx tinha um parceiro (ou sócio), Engels, pra quebrar esses galhos. Você não tem um?
    Um Engels daria a grana e trabalharíamos os dois no boteco.

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  5. O Engels era um partidão… O Marx fez bem em garfá-lo…
    Mas vamos continuar pensando nesse assunto, um dia a gente se ajeita…

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