A vulgarização do debate intelectual

Por Emir Sader.

Grotesco o nível do debate entre Roberto Schwarz e Caetano Veloso, somente possível mesmo pela vulgarização promovida por certa elite intelectual paulistana. Um grande crítico literário, responsável pelas melhores análises sobre a obra de Machado de Assis, decidiu voltar-se sobre as elocubrações “intelectuais” de Caetano e recebeu a resposta no nível deste: que Roberto e Marilena Chaui falem sobre a Coréia do Norte!

A vulgarização do debate teórico encontra na velha mídia seu lugar privilegiado. Canastrões aposentados das suas profissões – ex-diretores de cinema, ex-escritores, ex-músicos, ex-atores etc. etc. – refugiam-se no final de carreira no colo da velha mídia, renunciam ao que tiveram de rebeldia na juventude e recebem generosos espaços para tentar superar seus velhos sentimentos de inferioridade em relação ao mundo intelectual e deitar falação sobre qualquer tema – sempre contra a esquerda, o PT, o governo, Lula – nos espaços sem prestígio e sem leitores.

A combinação entre a vulgarização promovida pela Globo – que afeta centralmente o cinema brasileiro, incapaz de abordar os grandes temas nacionais, ao contrário do cinema argentino – e pela elite tucana paulistana tem tido um efeito muito negativo sobre o clima intelectual. Personagens sem nenhuma capacidade de análise se enfrentam ao preconceito insuperável, para eles, do governo Lula.

Ficar com Lula ou com a Globo? Ficar com Lula ou com a Folha de São Paulo? Entre a solidariedade com o povo que, pela primeira vez consegue acesso a direitos elementares, ou ter a hostilidade, eventualmente a marginalização dos espaços que lhes oferece a velha mídia, vários preferiram esta alternativa.

Ressalta mais ainda, nesse cenário deprimente de um suposto debate intelectual, figuras como a da Marilena Chaui, que se nega a ocupar espaços nessa mídia (convidada para colunista da Folha de São Paulo, se negou, da mesma forma que José Luís Fiori e outros mais), de fazer parte dessa pantomima, desse circo da “falsa cultura” de que falava Millôr. Os dois vídeos da Marilena sobre a democracia, feitos durante a campanha eleitoral de 2010, tiveram mais de 250 mil acessos, certamente a grande maioria de jovens, os ausentes absolutos dessas farsas intelectuais dos otavinhos.

***

Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

7 comentários em A vulgarização do debate intelectual

  1. Ótimo comentário do mestre Emir Sader. Ex-diretor de cinema: Arnaldo Jabor. Ex-escritor: Paulo Francis, Demétrios e tantos outros. Ex-cantores: Lobão, Caetano e outros Simonais. Ex-atores: Carlos Vereza.

    Curtir

  2. Mas que bobajada! O debate nada tem de grotesco. Pode-se e deve-se concordar, discordar, analisar, etc., mas não desqualificar! Sader enaltece Marilena e Fiori por se negarem a escrever para a Folha, mas cita Millôr, que publicava na Veja! O mundo não se resume a ser pró ou anti Lula, aliás não se resume a ser pró ou anti coisa ou pessoa alguma!

    Curtir

  3. Então a sua posição é de q só porque “o povo … pela primeira vez consegue acesso a direitos elementares” com o Lulla devemos todos agora esquecer os abusos e corrupção manifestados pelo mesmo e pela máfia, digo, máquina do PT?

    Curtir

  4. Leonardo Fontes // 26/04/2012 às 3:39 am // Responder

    De acordo, elevar Caetano à categoria de polemista é que é uma grande bobajada. Há temas mais importantes, pena que Roberto S. esteja tão recluso e quando apareça seja pra dar holofotes às asneiras de Caetano. Tristes cadernos de cultura os que temos hoje em dia.

    Curtir

  5. Carlos A Cas // 30/04/2012 às 5:12 pm // Responder

    A crítica de Roberto Schwars perde valor diante do seu robusto filtro ideológico. É fácil perceber sua fixação por Marx: em sua obra, garimpar chavões comuns da dialética comunista é farefa de amador. Julga ser um justiceiro que está do lado dos anjos, mas só vê o comunismo como salvação desse injusto mundo. Qualquer outro modo de pensar é herético, pois contraria a verdade dos porcos de George Orwel. Sou mais o cultural tropicalismo e a Globo.

    Curtir

  6. Essa idéia de considerar Caetano ou Jabor intelectuais é piada de mau gosto.

    Curtir

  7. Rosalina Izento // 30/05/2012 às 2:27 am // Responder

    Dizer que Caetano é intelectual é demonstrar que desconhece o sentido do palavra. E sobre a ideologia política de Caetano,, não podemos esquecer que ele sempre apoiou o Toninho Malvadeza. Qto ao Jabor, além de ser um psideuintelectual é uma pessoa que demonstra conflito idológico político.

    Curtir

1 Trackback / Pingback

  1. Destaques no mundo « pkbx

Deixe um comentário