Breve historinha de bondes
Depois de mais de meio século desativado, em 2002 o bonde elétrico voltou a circular no centro de Londres. Moderno, confortável e sem poluição, o bonde londrino faz parte de uma geração de veículos elétricos usados para o transporte público em algumas cidades da Europa. Os moradores de Croydon e Wimbledon, dois bairros nobres da capital britânica, já estavam, desde o início do milênio, provando da novidade. O objetivo nobre para ressuscitar os bondes elétricos era transportar 25 milhões de passageiros por ano, reduzindo assim em 2,5 milhões o número de viagens feitas de automóveis na região.
Contam que um dos motivos para a retirada dos bondes das vias londrinas, em 1951, foi dar espaço aos ônibus. Todos conhecem essa história. É igualzinha a de São Paulo, que em 1968 fez até festa para tirar os bondes do traçado paulistano. A politicalha tinha tanta gana em acabar com o “atraso” que o então governador Abreu Sodré, em “nome do progresso”, fez questão de ir a bordo de um deles, o da linha Santo Amaro, para acompanhar a última viagem.
No Brasil, a experiência mais próxima da londrina aconteceu em Santos, no litoral paulista. Também em 2000, foi criada uma linha turística, que funciona no Centro Histórico. Além disso, foram contratados doze antigos motorneiros e condutores para um projeto chamado “Vovô sabe tudo”, no qual os velhos trabalhadores lembram a memória dos bondes santistas, que haviam servido a cidade durante um século, de 1871 a 1971.
Se fossem os condutores das linhas paulistanas, teriam também muita história para contar. Como esquecer os primeiros bondes fechados, pesadões e pintados de vermelho? Por isso, foram batizados de camarão. Outro bonde, ainda maior que o camarão, recebeu o apelido de tubarão, que alguns também chamavam de lagosta. E em meio aos peixes e crustáceos, surgiu ainda o jacaré, um bonde todo verde que fazia a linha para Santo Amaro.
Eles não poderiam esquecer, claro, o Centex, o bonde que virou a cabeça dos paulistanos. Era o máximo em novidade. Os bancos eram móveis e revestidos de palhinha ou couro. Era todo equipado com espelhos retrovisores, limpador automático de para-brisas e, nas janelas, vidros de têmpera especial. Seu espaço interno era maior. A visão para o exterior quase panorâmica. Foi aí que algum apaixonado deslumbrou nele as formas sensuais da atriz Rita Hayworth, que na época fazia furor com o filme Gilda.
O bonde Centex, ou melhor, Gilda, fez sucesso e até inspirou expressões paulistanas. Era comum dizer que uma mulher bonita era um “verdadeiro bonde”, assim como “estar de bonde” ou “andar de bonde” significava namorar. Em 1963, o Gilda mudou de cor, ganhou tonalidade alaranjada na carroceria e um amarelo claro nas portas. Desse jeito, ficou parecido com um refrigerante da moda. Aí, até sair de circulação, o Gilda virou Crush.
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Roniwalter Jatobá nasceu em Campanário, Minas Gerais, em 1949. Vive em São Paulo desde 1970. Entre outros livros, publicou Sabor de química (Prêmio Escrita de Literatura 1976); Crônicas da vida operária (finalista do Prêmio Casa das Américas 1978); O pavão misterioso (finalista do Prêmio Jabuti 2000); Paragens (edidado pela Boitempo, finalista do Prêmio Jabuti 2005); O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005), O jovem Fidel Castro (2008) e Contos Antológicos (2009). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.
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