David Harvey e Rosa Luxemburgo

 Por Emir Sader.

Em seu O imperialismo, fase superior do capitalismo [Lisboa, Avante!, 1984], Lenin enunciou que as potências imperialistas haviam concluído a divisão do mundo entre elas. A partir daquele momento, a tendência inerente ao capitalismo de expansão contínua levaria a guerras interimperialistas, em que algumas potências, ou blocos de potências, tomariam territórios uns dos outros para poder se expandir.

Nenhuma previsão foi tão justa como essa, visto que as chamadas Guerras Mundiais foram exatamente isso: guerras interimperialistas de disputa de territórios por blocos de países imperialistas, que buscavam apropriar-se de territórios alheios.

O impulso inato à expansão capitalista, descrito por Marx e Engels já no Manifesto Comunista, projetava-se no plano internacional pela necessidade contínua de incorporar novos territórios. A grande contribuição de Rosa Luxemburgo, nesse plano da interpretação teórica, foi justamente ter articulado a reprodução do capital no centro do sistema com sua expansão como sistema em escala internacional.  

Uma das características da interpretação de David Harvey sobre o capitalismo contemporâneo vem da atualização e renovação da visão de Rosa Luxemburgo. A “acumulação por despossessão” de que fala Harvey parte do mesmo ponto de vista de Rosa, adequando-o às transformações que o neoliberalismo impôs ao capitalismo.

A princípio, a despossessão era a incorporação de regiões ainda não penetradas pelas relações capitalistas, especialmente no mundo colonial. Na era da globalização, caracterizada pela mercantilização imposta pelo neoliberalismo, por um lado, regiões novas foram incorporadas plenamente ao mercado mundial – como a ex-URSS e os países do leste europeu – ou abertas a ele – como é o caso da China. Por outro lado, no processo de desarticulação do Estado de bem-estar, de corte keynesiano, o capitalismo neoliberal incorporou ao mercado, pela via das privatizações, as empresas estatais, forma também de acumulação por despossessão.

Houve também a mercantilização de coisas que eram bens públicos, como a educação, a saúde e a água. Todos são processos de abertura de novos espaços de acumulação aos quais antes o capital não tinha acesso ou tinha de forma indireta.

Esses raciocínios, retirados originalmente da teoria do imperialismo de Rosa Luxemburgo e renovados criativamente por David Harvey, encontram-se em seu livro crucial, O enigma do capital, publicado pela Boitempo, que deve se tornar leitura essencial para os cursos universitários e de formação política de militantes, assim como para todos os que buscam uma compreensão profunda e rigorosa do capitalismo contemporâneo.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o  Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

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