Felicidade
Por Izaías Almada.
Amarílis ensimesmava contando as estrelas do seu vestidinho novo de chita. O vestidinho azul com gola de renda branca e todo rodado. A estampa misturava estrelinhas verdes e vermelhas e pequenas meias-luas brancas. Fazia assim sempre que estava distraída ou à espera de alguém…
E quase sempre na companhia do cão Balaio, um vira-lata faminto e preguiçoso que apareceu na fazenda. Mas não desta vez.
Estava ali na cidade há algum tempo à espera do pai, que conversava a portas fechadas com o moço a que chamavam de advogado. Balaio ficara na fazenda. Amarílis não sabia muito bem o que era um advogado, mas sabia que o pai andava nervoso por causa de umas questões com a mãe e, muito observadora, percebeu que o tal advogado ajudava a resolver problemas entre gente grande. Seu pai e sua mãe tinham muitos problemas a resolver.
Ia fazer cinco anos dali a duas semanas. Por que será que o papai não brincava mais com ela na volta da escola? E a mamãe, por que tinha ido embora com aquele outro tio?
O pai saiu da sala conversando com o advogado. Parecia mais contente. Abraçou Amarílis e deu-lhe um beijo carinhoso no rosto. Ela envolveu o pai num abraço e, por cima do ombro, viu o advogado ir diminuindo de tamanho à medida que caminhavam pela rua.
O pai perguntou se ela queria um sorvete. Escolheu o de flocos de chocolate. Depois foram sentar num banco da pracinha. Tinha visto o pai chorar naqueles dias. Sentaram-se e ele começou a falar, mas Amarílis não entendia muito bem algumas das palavras que ele usava a não ser uma frase que ficou gravada na sua memória e que foi repetida umas tantas vezes: a mamãe não volta mais para casa.
Os olhos de Amarílis se encheram de lágrimas e ela começou de novo a contar as estrelinhas do vestido azul de chita. O pai tornou a abraçá-la e ficaram assim por alguns minutos.
– Ela não volta mais?
– Não… Ela foi para o Rio de Janeiro.
– Nunca mais?!
– Acho que não…
– Foi o advogado que falou?
– Ela deixou uma carta com ele.
– E o Balaio?
– Fica com a gente…
– Eu não preciso mais ter medo dela?
– Medo?!…
– Ela me punha de castigo… Gostava de me trancar no quarto e batia no Balaio.
– Não… Ela não volta mais.
– E o papai?
– O que é que tem?
– Vai para o Rio de Janeiro também?
– Não, querida… O papai vai ficar na fazenda tomando conta de você…
– Posso brincar na varanda?
– Onde você quiser.
– O Balaio também?
– Também, claro…
– Tomara que ela não volte mesmo. Nunca mais…
– É… Ela disse que agora queria ser feliz…
***
Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
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