Hoover e Thatcher

Leonardo Di Caprio interpreta J. Edgar Hoover em "J. Edgar" (Clint Eastwood, 2011) e Meryl Streep interpreta Margaret Thatcher em "A dama de ferro" (Phyllida Lloyd, 2011)

Por Emir Sader.

Parece que a prolongada crise econômica do capitalismo vai tirando da listas dos bestsellers as biografias dos executivos bem sucedidos – salvo aqui, com o crescimento da economia, onde ainda prima o Eike. Voltam personagens políticos, no caso atual, de índole conservadora, já não mais como os ídolos que foram, mas na sua decadência.

Os dois filmes – J. Edgar, de Clint Eastwood, e A dama de ferro, de Phyllid Lloyd – são lançados simultaneamente nos cinemas brasileiros, sobre dois personagens conservadores cruciais. Hoover, quase 50 anos no FBI cruzou toda a guerra fria como um dos seus protagonistas essenciais. Thatcher, como uma das lideranças mais importante no relançamento e renovação da direita no mundo, com o neoliberalismo.

Ambos os filmes buscam o difícil enfoque pessoal de personagens obviamente antipáticos e duros. No caso de Hoover, essa dificuldade se agrava, pela relação homossexual com seu principal assessor. No caso de Thatcher, não há ruptura com seu papel político, porque na esfera privada ela exerce a mesma tirania, a começar por seu marido.

Vistos desde hoje, são personagens vitoriosos, cada um à sua maneira e do seu jeito. O fim da URSS foi o sonho da direita durante décadas, mesmo não acreditando realmente que seu sonho pudesse se transformar em realidade. Hoover não pôde presenciá-lo e morre amargurado, mesmo convivendo com a vitória de Nixon para presidente. Sua visão, clássica de todo anticomunista visceral, foi sempre de que os próprios EUA estavam penetrados, até a medula, por comunistas ou por seus agentes.  A paranoia fazia com que não se satisfizesse que, depois da década de 1960, um direitista convicto voltasse à presidencia. Hoover prognosticava horas muito graves para os EUA.

Não pôde presenciar que a guerra fria terminou com a vitória do bloco ocidental, liderado pelos EUA, com a incrível auto-dissolução da URSS, debilitada por dentro. Os anticomunistas como Hoover sempre acreditaram numa guerra entre os EUA e a URSS, não via alternativa. A teoria do totalitarismo, que comandou a guerra fria, considerava que o regime ditatorial soviético era tão blindado para contradições, tão férreo, que somente do exterior seria possível derrotá-lo. Toda a campanha de propaganda externa tinha por objetivo fazer chegar mensagens para alguns setores, mas sem a expectativa que pudessem enfraquecer desde dentro o regime soviético.

Thatcher foi protagonista central – com Reagan e com o Papa João Paulo – da ofensiva que desembocou no fim da URSS e do campo socialista, com eles, da guerra fria e da bipolaridade mundial. Porém, também Thatcher envelhece u amargurada, vendo em qualquer lado sintomas do renascimento do seu inimigo histórico – o comunismo – mesmo sob outras roupagens.

Os dois filmes conseguem equilibrar os personagens políticos com suas personalidades e suas vidas privadas. Claro que, como filmes de ficção e não documentários, faltaria muito do papel político que tiveram. Especialmente Hoover, protagonista do pior e do que houve de mais selvagem nas agressões norte-americanas durante décadas. Mas apresentam imagens que refletem ambos personagens com o poder que tiveram e o fim amargurado de ambos – com os velhos fantasmas do comunismo, que alimentaram suas vidas e não os abandonaram nunca.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

1 comentário em Hoover e Thatcher

  1. Flavio Wolf de Aguiar // 10/02/2012 às 5:28 pm // Responder

    Caro Emir: como sempre, brilhante comentário. Gostaria de lembrar a observação de John Le Carré, autor de thrillers e best sellers sobre o tema da espionagem, e íntimo do detestável MI6 britânico: :Na Guerra Fria, venceram os bandidos. Dos dois lados”. Um abraço, Flávio.

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