De bar em bar XI: Os cafés de São Paulo

Fotografia: blog Lugarzinho

Por Mouzar Benedito.

Na década de 1960, muitos brasileiros estavam exilados na França, e muitos outros iam lá visitá-los ou simplesmente passear. Destes últimos, muitos já tinham um estilo tucano, invejavam Paris e explicavam que na capital francesa existiam cafés, ou seja, bares sofisticados, frequentados por intelectuais que iam lá ler livros ou jornais, passavam horas tomando um simples café, sem serem incomodados.

— Aqui no Brasil a gente toma café no balcão. Se ocupar uma mesa, logo o dono do bar vem perguntar se não vamos consumir nada! — falavam, criticando nosso subdesenvolvimento.

Lá por volta de 1970, enfim, aleluia! Um café! Estilo francês mesmo, por sinal chamado Café Paris, em plena entrada da Cidade Universitária, na avenida Waldemar Ferreira. Glória, glória, aleluia!

Torci o nariz quando vi, mas fui lá, tinha que conhecer o tal café. Pedi um conhaque, que não sou de demorar muito pra tomar um cafezinho, nem gosto de café frio, e fiquei olhando um sujeito de “oclinhos” redondos, na mesa ao lado, olhando pro vazio, com ar de tédio, tendo à frente uma xícara de café esfriando havia um tempão. Pensei: “Ele está pensando que a gente está pensando no que ele está pensando”, e não voltei mais lá. Não gostei. Meus amigos também não gostaram, mas alguns iam lá de vez em quando, pra tomar algo caro e depois dar um pinote — sair correndo sem pagar.

A moda dos cafés começou a pegar, não pelo café servido, mais pelo ambiente e a bebida alcoólica mesmo. Logo apareceu outro café no bairro da Bela Vista, o Café do Bixiga. Eu morava perto, na avenida 9 de Julho, e andava muito pela região, com muitos teatros e botecos, e gostava de ficar parado perto do Café do Bixiga de vez em quando. O bairro era conhecido como área da malandragem (no “bom sentido”, não eram marginais), então quem ia lá parecia sentir-se na obrigação de fazer um jeitão de malandro, como quem ia ao Café Paris fazia um ar de francês. O sujeito que ia a pé ou que parava o carro meio longe vinha andando normalmente até chegar a uns cinquenta ou cem metros do Café do Bixiga, aí seu andar adquiria um gingado diferente, teoricamente de malandro. Era divertido ver essa bobagem.

Depois soube do Café Piu-Piu, mas também fui lá só uma vez. O ambiente era bonito e tinha música ao vivo. O café estava lotado, e cobravam couvert artístico. Uma cantora que fazia parte do grupo que se apresentava naquele dia era minha amiga e eu comentei que ela, que vivia dura, ia ficar cheia da grana aquela noite.

— Nada! — respondeu ela. — O dono fica com o cachê na primeira noite em que a gente se apresenta aqui. Só paga a gente da segunda vez em diante, e hoje é nossa primeira vez.

― Primeira e única — respondeu alguém ao lado. — Tem sempre conjunto novo querendo se apresentar aqui e assim ele não precisa pagar ninguém.

Fiquei injuriado. Hoje, sei que muitas outras casas cobram couvert artístico e não o dão para os artistas. Acho uma sacanagem. Por sinal, comentei sobre isso com amigos do Quarteto Pererê, e me disseram que tocaram no Café Piu-Piu recentemente e receberam direitinho.

― Que bom ― brinquei. ― Será que mudou de dono?

Mas nessa minha única ida lá, fiquei mais injuriado ainda no final, quando fui pagar a conta e fiz um cheque incluindo a gorjeta. A garçonete, timidamente, pediu por favor que eu pagasse a gorjeta à parte, pois o dono não distribuía toda a gorjeta entre os empregados (outra prática que se revelou usual em São Paulo)… Na verdade, imaginei, ele podia dividir a gorjeta também com o pessoal da cozinha, mas por via das dúvidas, não voltei mais lá.

 ***

Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

1 comentário em De bar em bar XI: Os cafés de São Paulo

  1. e buteco, minha cerva, cadeiras amarelas e a carne de gato se o dinheiro sobrar.

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