Zeca Jibóia e Geraldona

"Casal", de Djanira

Por Izaías Almada.

Não era difícil imaginar que um dia Zeca Jibóia se apaixonasse por uma mulher. Por outro lado, quase ninguém acreditaria que uma mulher caísse de amores pelo Zeca. E aconteceu.

A proeza, ou melhor, a autora da façanha era conhecida por todo o vale do Jequitinhonha como Geraldona, mulher forte e decidida, de cabelo nas ventas.

Apesar do apelido e da fama de mulher macho, Geraldona era pessoa adocicada e meiga, de bem com a vida. Os pais vieram da Bahia para Minas e, ainda menina, foi curtida em trabalho de sol a sol. Plantou milho, cacau e algodão. Esfolou porco e ferrou cavalo. Dizem que de tanto trabalhar foi esticando o corpo, esticando, até chegar a um metro e setenta e cinco centímetros de altura, coisa rara naquelas bandas. Acabou adquirindo um jeito masculino de tratar as pessoas, apesar da candura. E do que ela gostava mesmo era de homem…

Zeca Jibóia era largado na vida. Não conheceu pai nem mãe, que foram morar em São Paulo e deixaram o menino com a avó. Tentou frequentar a escola, mas não tinha muita paciência para números e letras. Cresceu no mato entre cobras e lagartos, arredio, solitário. Não tinha maldade nas coisas.

Quando fez quinze anos disse para a avó que ia atrás dos pais em São Paulo. Voltou apavorado. Um dia ensinaram para ele que na roça o homem não se aperta. Que ele experimentasse uma cabra ou mesmo uma égua. A primeira vez Zeca achou muito esquisito, mas depois se acostumou. Houve mesmo uma égua que ficou viciada no Zeca. Dizem que ele tinha a coisa tão grande que a égua viciada preferia ele aos cavalos.

Mentiras de lado, ainda assim ganhou o apelido de Jibóia, ninguém sabe se pelo tamanho da jeba ou se porque andou uns tempos com uma dessas cobras enrolada ao pescoço.

Certo dia a cidade de Zeca e Geraldona amanheceu diferente. Pela primeira vez um circo apareceu por aquelas redondezas. O circo dos Irmãos Vitalino. Cirquinho pobre, mas com palhaços, equilibristas, um leão já meio velho e dois tigres, um homem que engolia fogo, um chimpanzé e Elvira, a dançarina das cobras.

A alegria e a emoção foi tanta na cidade, que o circo que viera para o fim de semana teve que ficar a semana inteira. E com uma novidade: Zeca dançou com Elvira numa das sessões e deu sua jibóia de presente para o circo. Justo nessa noite Geraldona foi ao circo, pela primeira vez na sua vida. Ficou encantada. Mas Geraldona tinha pavor de cobra. De cobra e de jeba, diziam as más línguas.

Passou a procurar pelo Zeca, na esperança de que ele lhe desse atenção. Será que o danado tinha mais alguma cobra em casa? Onde será que morava o desgraçado? Zeca morava retirado, no Raso do Jatobá. Casinha de sapé e pau a pique.

Quando ficou sabendo que Geraldona andava a sua procura, ficou encagaçado. O que será que aquela paraíba queria com ele? Não tinha feito nenhum mal à mulher, nem a nenhuma das suas cabras… Por via das dúvidas, botou um facão na cinta.

Geraldona apareceu bem de manhãzinha. Só, e num domingo. Zeca olhou pelas gretas da janela e viu que a mulher não estava armada. Apenas um embrulho nas mãos.

– Posso entrar?

– Só se veio em paz…

– É o Zeca Jibóia?

– Ele mesmo.

– Desculpa o mau jeito, mas eu queria falar com você.

– Posso saber do que se trata?

– ’Cê não quer abrir a porta?

– E esse embrulho?

– Broa de milho…

Foi mesmo assim que Zeca e Geraldona se falaram pela primeira vez. Ainda desconfiado, Zeca abriu a porta devagarzinho e olhou aquela mulherona à sua frente. Geraldona, então, explicou que o tinha visto no circo fazendo o número das cobras. E que ficara muito impressionada. Perguntou se ele tinha mais alguma cobra em casa e Zeca respondeu que não.

Geraldona se ofereceu para fazer o café e Zeca continuou desconfiado:

– A senhora não arrepara não, mas não ‘tô entendendo o que é que veio fazer aqui…

– Queria lhe conhecer…

– Por algum motivo especial?

– Simpatia.

Zeca ficou olhando para Geraldona sem entender muito bem o que estava se passando.

– Dizem que a senhora é brava e homem nenhum lhe mete medo.

– É verdade.

– E o que é esse negócio de simpatia?

– É aquilo que um homem e uma mulher sentem um pelo outro…

– Nunca nenhuma mulher me falou desse jeito.

Ficaram se rodeando. Conversa de cerca Lourenço. Beberam o café com broa de milho. Por fim Geraldona, que nunca foi mulher daqueles rodeios, foi direto ao assunto.

– Ouvi dizer que você nunca teve uma mulher…

– Que conversa mais esquisita, dona…

– Não se avexe… Eu também não conheço homem e já vou fazer trinta e cinco anos.

Ato contínuo, Geraldona foi tirando a roupa e ficou nuinha em frente a Zeca Jibóia. O rapaz tremeu dos pés à cabeça, mas ficou maravilhado com o que viu. Paralisado. Geraldona pediu que ele tirasse a roupa também à espera de confirmar-lhe o apelido. Não se decepcionou.

Foi uma agradável manhã de primavera. Passaram o domingo naquilo. Já de noitinha, Geraldona mandou Zeca arrumar suas coisas e disse que ele agora era seu homem, iam viver juntos. Zeca obedeceu-a feliz da vida.

No lugarejo toda a gente se espantou com a novidade, mas ninguém abriu a boca. Geraldona matou a cobra e, se fosse preciso, mostrava o pau…

***

Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mimO medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

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