Crônicas de Berlim (9): O outono vem chegando
Lembro uns versos do poeta capixaba Geir Campos:
Alba
Não faz mal que amanheça devagar,
As flores não têm pressa, nem os frutos.
Sabem que a vagareza dos minutos
Adoça mais o outono por chegar.
Portanto, não faz mal que devagar
O dia vença a noite em seus redutos
De Leste; o que nos cabe é ter enxutos
Os olhos e a intenção de madrugar.
Estes versos, de “Cantigas de acordar mulher”, são adequados para descrever a suavidade das cores neste outono berlinense. As árvores se douram, o sol também, o céu se azula mais do que em outras estações (embora nada se compare ao azulão do céu de Porto Alegre no mês de maio – eh, saudade!), os passeios se fazem mais convidativos e doces.
É, mas o outono traz também o frio cortante das madrugadas, dias cinzentos que prenunciam o inverno, manhãs que simplesmente (ao contrário daquela do poema) não amanhecem, ficando entre a névoa, a nuvem e a garoa (eh, São Paulo!). Os dias vão ficando curtos… Agora em novembro o sol nasce só depois das 7 e 15, e a partir das 4 e meia da tarde já vai se deitando, o vagabundo. Quando chega o Natal – momento oficial da entrada do inverno, as temperaturas já estão nos abaixo de zero, o sol dá o olho (porque a cara nunca dá de todo) só bem depois das oito, e antes das três e meia já vai indo para debaixo do cobertor.
Pra quem sobreviveu a uns quatro invernos no Canadá, o frio daqui, embora penoso, não é um grande problema. Lá tem dias em que a temperatura não sobe acima dos menos 20, se tanto, e de madrugada vai abaixo dos menos 30. Houve um dia famoso na minha história pessoal em que vi no termômetro menos 40 – aquela marca em que o grau centígrado e o Farenheit (essa mania dos americanos) se igualam. Nesse dia dei uma de Superman: a porta do carro de um amigo meu congelara e não abria. E eu vim com aquele ar de “deixa comigo”, com as minhas luvas de Pólo Norte. Cheguei e apertei a maçaneta, que era de alumínio. Resultado: naquela temperatura ela virou um amontoado de cacos na minha mão… E eu fiquei com cara de tacho olhando o amigo desesperançado.
É verdade que aqui em Berlim há uma variante do frio que me enerva. É a daqueles dias em que a mínima é de menos um e a máxima de mais um: fica tudo igual o tempo todo, tudo molhado, porque nessa temperatura, se neva, a neve derrete logo. Também tem dias em que a mínima é menos 10 e a máxima é menos 10: um horror de mesmice congelada.
Mas o penoso mesmo é a falta de luz e de sol: no Canadá o inverno é de dar tremor em pingüim, mas é ensolarado, porque a latitude é muito baixa. Aqui não: uma semana de semi-escuridão, de lusco-fusco contínuo, e eu começo a ter um tique.
Eu não é nada. Segundo o Ministério da Saúde local, 800 mil alemães (1% da população) padecem de um mal chamado aqui de “Winterdepression”, “Depressão de inverno”, provocada pela diminuição da luz disponível. Essa diminuição provoca outra, a de serotonina no cérebro e no resto do corpo, uma substância que, assim ouvi dizer, faz a conexão entre as células nervosas que, na verdade, não se tocam umas nas outras. Também há outras substâncias cuja quantidade diminui, e o resultado geral disso é uma depressão que pode ser fatal. Dizem as estimativas que esse número poderia dobrar, levando em conta que há casos leves de pessoas que nem se dão conta do que estão padecendo, achando que estão apenas com um baixo astral ou melancolia natalina, por exemplo, e outras que simplesmente se recusam a procurar ajuda. Ou seja, uma Recife inteira potencialmente padece de “Winterdepression” na Alemanha, nessa época do ano.
Qual o remédio? Para os casos graves, doses de insolação artificial. Para os que podem, fazer um “break” no inverno, viajar para algum lugar ensolarado durante algum tempo. Mas de um modo geral, o que se recomenda é um remédio genérico difícil de obter por estas bandas nestes tempos em que as crises se sucedem, ou melhor, se acumulam, começando mais uma antes que a anterior termine: uma dose diária de otimismo e esperança. Que se resume numa receita simples: saia à rua, passeie (ao invés de simplesmente ir de um ponto a outro) e, ao passear, não se limite a andar ou correr contando quilômetros e as batidas do pulso. Ao contrário, leve seus olhos para passear também: olhe a paisagem, a árvore, a pedra, atenda ao chamado da natureza, não apenas ao das vitrines, embora essas também possam ser olhadas com prazer, ao invés de avidez.
Difícil, não? Mas não impossível. Um conselho que vale para todas as latitudes, inclusive para um país tão ensolarado quanto o nosso.
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Dois livros de Flávio Aguiar publicados pela Boitempo Editorial já estão disponíveis para venda em versão eletrônica (ebook): o romance histórico Anita, sobre a vida de Anita Garibaldi, e seu livro mais recente, Crônicas do mundo ao revés. Ambos estão à venda no Gato Sabido.
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Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, e o recente Crônicas do mundo ao revés (2011). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
moro numa chacara no interior de SP e no Outono eu sinto um pouco de baixo astral, como sou sensitivo sofro mais ataques espituais nesta estação, por isso eu fico mais tenso, tem muitas arvores aqui e naqueles dias nubrados e a noite nossa da medo sinto precença e ja passei cada uma que se contar vai falar que é mentira mais é verdade, mais a coisas no outono que eu gosto, e meu parabens pelo blog.
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