Partido pra quê?

Por Mouzar Benedito.

Com a greve dos correios, lembrei-me dos tempos de fundação do PT, quando um núcleo do partido funcionava na minha casa.

O carteiro da região me entregava a correspondência do partido todo animado e se revelou um petista dos mais militantes. Não tinha muito tempo para conversar com a gente no horário de trabalho, mas sempre pedia e dava notícias e inspirava muito otimismo. Eu o encontrava nas manifestações que ocorriam aos domingos e, aí sim, conversávamos.

Estávamos numa ditadura agonizante e o carteiro achava que com democracia tudo haveria de melhorar. Com o PT defendendo os trabalhadores, melhor ainda. Seria o fim dos tempos em que as correções salariais, por exemplo, eram baixadas por decreto, sem chance de negociação.

Até eu me mudar de casa, ainda antes do fim da ditadura, ainda o encontrei em manifestações, mas depois as manifestações foram raleando e não o vi mais, mas imaginava sua alegria vendo o PT crescer, ganhar prefeituras importantes e governos de estados, já em plena “democracia”.

Mas sei que seu emprego não melhorou nos sucessivos governos federais. Quando Lula chegou à presidência, acho que ele já devia estar aposentado, ganhando pouco, o que não mudou muito com Lula, por sinal.

Uma das coisas que todos nós imaginávamos é que com o PT no poder acabaria o tempo em que o Estado se negaria a negociar com os trabalhadores. O patrão (o governo, no caso) fazia uma proposta escrota e não arredava o pé, tendo como consequência uma greve. Aí o patrão-governo dizia que não negociava com trabalhadores em greve e por fim a Justiça resolvia a coisa a favor do patrão, ameaçando o sindicato com multas e outras coisas.

Mas aos governos, sejam de que partido forem, parece que o que interessa é agradar o deus mercado, mostrar para ele que não foge de suas regras. Se o banqueiro, o executivo de multinacionais e os empresários nacionais “negociam” de um jeito, por que o governo faria de outro? A gente poderia responder: “Porque tal partido foi criado para ser diferente”. Mas a coisa mudou.

Acredito que o carteiro petista de primeira hora daquele início dos anos 1980, se estiver vivo, está aposentado e escapou de ver como o PT como patrão negociou com os funcionários dos Correios, que finalmente, obrigados pela Justiça, voltaram para o trabalho com o rabo entre as pernas.

Se estiver vivo, o carteiro pode se lembrar de uma velha máxima do reinado de Pedro II, quando o Partido Conservador, liderado por grandes pecuaristas, usineiros e fazendeiros em geral representava o status quo, o poder centralizado, e tinha como oposição o Partido Liberal, mais urbano, cheio de bacharéis e comerciantes, defensor da federalização da monarquia, progressista. Pois quando chegou ao poder, o Partido Liberal se revelou muito semelhante ao Conservador. Daí a máxima da época: “Nada é mais parecido com um conservador do que um liberal no poder”.

Assim tem sido no Brasil.

Mas que não se assanhem os conservadores dos tempos atuais, dizendo que com eles a coisa é melhor. Aliás, a tal máxima tem uma segunda parte: “… e nada mais parecido com um liberal do que um conservador na oposição”.

Tucanos e afins podem fazer boas propostas como oposição, mas no poder… Basta lembrar dos oito anos de governo FHC para ver como eles tratam os trabalhadores. Foi de FHC a iniciativa de “quebrar a espinha” do sindicalismo, a partir do não cumprimento pelo governo de um acordo feito com os petroleiros, logo no início do governo dele. Com a cumplicidade da imprensa, os trabalhadores foram demonizados, culpados por todos os males do Brasil, embora tenha sido o governo que não cumpriu o acordo.

E basta ver também o que acontece em Minas até hoje. Lá, em oito anos de governo, Aécio Neves, com seu “choque de gestão”, tendo a imprensa como aliada, ficou famoso como um grande administrador, mas sua grande obra foi governar oito anos sem dar aumentos, sufocando os trabalhadores. E seu sucessor continua na mesma linha.

A profissão de professor chegou a ser boa em Minas, pelo menos melhor do que em São Paulo, outro reino tucano. Sob o tucanato virou subemprego. E viva Aécio Neves! E viva Anastasia!

Ah, tem os governos do PMDB… Vejam no Rio, por exemplo, o que faz Sérgio Cabral (o filho – sempre procuro livrar a cara do pai) com o professorado e com os bombeiros. Grevista, pra ele, é bandido.

Não vejo entre os partidos algum que tenha postura diferente, a não ser os que nunca chegaram ao governo. Alguns pequenos podem até ser coerentes hoje, mas no sistema existente, se quiserem chegar ao poder e se manter nele, têm que entrar na onda, virar uma feira da barganha.

É um sistema corrupto e pró-capital, por natureza, e os partidos se submetem a ele. Ética e política não combinam, já se diz há muito. E nesse sistema, menos ainda. Sem uma base forte, que se compra com cargos e vistas grossas, não se governa. Não precisamos de reforma partidária. Precisamos mudar o sistema todo, para um que seja democrático de verdade, sem esse penduricalho inútil chamado partido.

***

Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças-feiras.

5 comentários em Partido pra quê?

  1. Ótimo texto. Esclareceu bem o que se passa nas tramoias partidarias no Brasil.

    Curtir

  2. Um texto claro, inteligente e honesto!
    Parabéns e, obrigada!
    Abraços,

    Curtir

  3. Dulcinéa Santos Carvalho // 21/10/2011 às 11:04 pm // Responder

    Mas o que vc propõe? No último parágrafo parece que diz que tem-se que mudar o sistema como um todo e sem o penduricalho “partido”.
    Esta é a questão que me coloco hoje. Estou muito decepcionado com o PT e os outros partidos então, nem se fala.
    Mas, qual é a saída? É esta discussão que eu quero ver. A Reforma Política está aí, mas será que sairá a contento?
    Não vejo intelectuais envolvidos nesta discussão. Fecham-se no seu casulo, parece, e se preocupam em publicar novos livros. Tirando os de direita, que esses nem discuto, os outros estão no ufanismo do governo Lula. Há os que se posicionaram criticamente, estão, em alguns casos, ligados ao Psol, e estes são bons de ler. Mas o Psol, se chegar ao governo, o que acredito não verei, não será do mesmo jeito.
    O autoritarismo dos partidos políticos é evidente.

    Curtir

  4. Mouzar Benedito // 24/10/2011 às 1:30 pm // Responder

    Oi, Ducinéia,
    Na época da fundação do PT, participei, mas tinha um receio: o partido poderia “domesticar” toda a esquerda. E foi o que aconteceu. Ninguém mais pensa fora do que já existe. Antes do PT, certos ou errados, pensávamos que o sistema existente não era o que queríamos, votávamos nulo e pensávamos em alternativas. Agora, parece que as pessoas pensam que não há alternativas possíveis, tem que ser do jeito que é, com algumas reformas que não resolvem. Será que não é possível criar um outro modelo? Pensar num outro modelo – democrático, pra começar – e tentar formular propostas é uma tarefa difícil, mas acho que necessária. Não tenho a fórmula, mas a coisa do jeito que está me incomoda.
    Como você, nem penso em alternativas à direita do PT e acho que o Psol ou qualquer outro partido que chegar ao poder no modelo político atual vai ter que governar com sarneys, barbalhos, jucás, renans, malufs etc. Então é a prova de que tudo precisa mudar. Como? Não sei.

    Curtir

  5. Alberto Magno Barreto Filgueiras // 02/11/2011 às 1:55 pm // Responder

    De pleno acordo quanto à questão dos dissídios das categorias e o posicionamento dos negociadores do governo, muitas vezes ex- ativistas que passam assumir posições de patrão intransigente. Quanto ao, penso que a criação de fóruns intersindicais seriam o melhor instrumento a maneira de discutir e encaminhar as pautas dos trabalhadores. Querelas sectárias têm pesado no mundo sindical nessa relação com o estado. O governo vai governar diferente, apenas se empurrado por movimentos capazes de formular pautas específicas e gerais e se tornando capaz de defendê-las, forjando alternativas viáveis de políticas públicas.

    Curtir

Deixe um comentário