Crônicas de Berlim (8): O dia em que eu vi o papa
Eu sempre quis ver o papa. Algum papa. Meu ideal seria ver João XXIII, o papa libertário. Mas na falta dele, algum outro serviria.
Inclusive porque minha mulher tinha visto o papa. Era uma história incrível. Ela e o marido dela estavam em Chipre. Onde o papa João Paulo II estaria presente. E eles não queriam ver o papa. Saíram da cidade onde ele chegaria. Foram para uma remota estação de trem, alhures. E lá estão eles, esperando algum transporte, os únicos na estação, quando um cortejo se aproxima. Quem vem pimpão? O papa! Assim, ao alcance da mão.
Meu Deus, sempre pensei. Que desvantagem eu tenho. Eu nunca vi o papa.
Mas felizmente, sou jornalista. Em Berlim, na obrigação de cobrir a visita do papa. Pensei: agora vou ve-lo.
Ledo engano.
De manhã cedo, lá me fui para o Schloss Bellevue, o palácio presidencial. Barreiras incríveis me impediam o passo. Impossível chegar a menos de 500 metros do palácio. Longe, vi as sirenes das motocilcletas, da polícia, deixando o palaçio na outra direção. Enfim…
Percorri Berlim de ponta a ponta. Tentei chegar ao Reichstag, onde o papa falaria à tarde. Inútil. Éramos detidos quilômetros antes, por barreiras policiais gentilmente eficazes. Inútil.
Tentei então – com sucesso – obter uma imagem do papa. Convenhamos, imagens, neste nosso mundo, é o que não falta. Fui ao Hauptbahnhof, a estação central de Berlim. E lá, nos telões, abundavam as imagens do pontífice. Filmei, dever de ofício, jornalista que sou. E então desisti. Fui para a Potsdammer Platz, onde haveria uma manifestação contra o papa. Fui para lá e fiquei filmando. Algumas das imagens eram divertidas. Gente fantasiada de papa, de bispo… Outras eram trágicas ou dramáticas: protestos contra a pedofilia na Igreja Católica.
Filmei, cansei. Decidi ir para casa, fazer a matéria devida, enviar para o Brasil. Fui caminhando pela Potsdammerstrasse, quando vi um ajuntamento. Grande. Um engarramento monstruoso para Berlim. Cheguei na esquina da Potsdammer Brücke, uma policial me parou:
– Não pode atravessar.
Caramba.
– Por quê?
– O papa. Ele vai passar por aqui.
Ai meu Deux, pensei, aí vem ele.
E assim foi. Daí há pouco, vieram as motos, os faróis acesos, as luvas brancas, os carros pretos, e no interior de um deles aquela figurinha pequena, ínfima, de branco, o papa.
Mas assim foi: eu vi.
***
Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, e o recente Crônicas do mundo ao revés (2011). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
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