Lisbon revisited

retrato de Fernando Pessoa por Almada Negreiro

Por Izaías Almada.

O título lembra-me um dos poemas de Fernando Pessoa escrito, se não estou em erro, sob o heteronimo de Álvaro de Campos. Passo nesse momento pela capital portuguesa em direção à Espanha, onde já não venho há alguns anos.

A primeira impressão que se tem é de que realmente a globalização é um êxito, ou seja, há bolsões de miséria por todas as grandes capitais do mundo, sendo que Lisboa e Madrid não fogem à regra. Nesse particular, e me desculpem o trocadilho, a “globalização” da televisão portuguesa é espantosa: suas telenovelas, horrorosas por sinal, cheiram a Rede Globo. Os programas de auditório, idem. O telejornalismo, canhestro e preconceituoso.

A península ibérica enfrenta maus momentos provocados pela crise que solapa por dentro algumas das grandes economias mundiais. Por aqui é o início do ano de trabalho, da volta às aulas, e sente-se por todo lado o temor de que o pior ainda não passou. Ao contrário. Portugal promete um corte de austeridade econômica que ascende a um bilhão e trezentos milhões de euros. Os salários estão congelados até finais de 2014. Famílias retiram seus filhos das escolas privadas e transferem-nos para as escolas publicas, que são gratuitas. Mais de 15 mil professores não conseguem se reintegrar em seus postos de trabalho. Os produtores de uvas para o Vinho do Porto reclamam do corte na produção. Há promessas (não aprendem mesmo os neoliberais…) de novas privatizações de empresas públicas portuguesas, incluindo-se a tradicional Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), sendo a vizinha Espanha uma das candidatas a comprar a preço de banana algumas dessas empresas.

A possibilidade de aumento de impostos para os mais ricos já é chamada cinicamente pelo governo português de imposto da solidariedade. Solidiariedade dos mais ricos aos mais pobres, bem entendido. O capital irresponsável causa estragos por todo lado, apresenta a fatura aos pobres e, uma vez que poderão abrir mão de algumas migalhas de seus indecentes lucros, o fazem com um “espírito de solidariedade”…

A península iberica é apenas uma amostra do que se passa em outros países europeus e a imagem que se forma é que ainda não está nada resolvido em termos econômicos. A imagem que me vem à cabeça, aproveitando as cidadezinhas medievais que reencontro, é a de um início de incêncio em uma delas no passado, com os moradores a encherem tinas e baldes de água que vão passando uns aos outros para apagar o fogo que cresce. A água chegará para tanto? Esperemos bem que sim, mas dentre os escombros, o mundo com certeza já não será mais o mesmo… Com ou sem a revista Veja, é bom que se diga…

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Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mimO medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

1 comentário em Lisbon revisited

  1. Sim, Izaías, é do Álvaro de Campos.

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