A edição brasileira dos Grundrisse

Por Lincoln Secco.

A tradução brasileira dos Grundrisse (Esboços da crítica da economia política) confere ao leitor a oportunidade única de adentrar a oficina do Mouro (apelido pelo qual Marx era chamado em seu círculo íntimo). Em nenhum outro escrito dele são tão perceptíveis a nudez dialética dos conceitos, seus sinuosos caminhos metodológicos e as abstrações mais elevadas.

Os Grundrisse foram escritos em 1857-1858 e editados na União Soviética em 1939-1941 (dois volumes). Depois da II Guerra Mundial saiu a edição alemã (Dietz Verlag, 1953). Com a emergência dos “vários marxismos” nos tumultuados anos sessenta vieram à lume a edição francesa (Anthropos, 1967-1968), italiana (La Nuova Italia Editrice, 1968-69), nova edição russa revisada (1968-69), inglesa (1971), norte-americana (1973) e espanhola (1971). Boa parte do material também saiu em francês nas Oeuvres (dois volumes) na majestosa edição Pleiade e aos cuidados de Maximilien Rubel.

A escolha da simples manutenção do título em alemão na capa da edição brasileira, sozinho, foi feliz, devido à dificuldade de encontrar um único vocábulo português equivalente ao termo alemão Grundrisse. Além disso, a obra assim ficou conhecida entre estudantes e estudiosos do marxismo.

A edição francesa de Roger Dangeville, por exemplo, recebeu o título de Fondements de La critique de l´economie politique e a italiana chamou-se Lineamenti Fondamentali della Critica dell´Economia Política. A edição espanhola da Siglo XXI, traduzida por Pedro Scaron, tinha como título Elementos Fundamentales para La Crítica de La Economia Política e ficou muito conhecida entre os marxistas brasileiros pelo seu subtítulo: “borrador”. Palavras, todas elas, que mostram a dificuldade acima citada de tradução dos rascunhos que compunham os manuscritos de Marx, isto porque não eram apenas “esboços”, mas o desenho de base de uma arquitetura nunca terminada e que daria origem ao empreendimento de O Capital.

Os Grundrisse permaneceram inéditos em português, salvo trechos publicados ao acaso, como a tradução das Formen (Formações que precedem a produção capitalista), a partir da versão inglesa de Eric Hobsbawm. Nesta edição brasileira o trecho se inicia na página 388, mas contrariamente à da Siglo XXI, as subdivisões editoriais do manuscrito não estão no sumário. Em compensação, há um índice onomástico.

A edição brasileira foi cuidada com esmero pela equipe da editora Ivana Jinkings e integra uma coleção que resgata, em traduções novas e diretamente do original, as obras mais importantes de Marx e Engels. Pode-se dizer que somente agora o leitor brasileiro começa a superar aquela longa fase de pobreza editorial que marcou o marxismo no Brasil.

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Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP. Publicou pela Boitempo a biografia de Caio Prado Júnior (2008), pela Coleção Pauliceia. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.

2 comentários em A edição brasileira dos Grundrisse

  1. Lotário Mariano Domingos. // 02/09/2011 às 11:57 pm // Responder

    É nescessário um longo tempo para ler e compreender essa matéria.

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  2. Pedro de Alcântara // 05/09/2011 às 2:02 pm // Responder

    Vou dizer mesmo, acho até curioso a insistência em apontar a dialética na obra de Marx. Ele próprio dizia que só conhecia uma ciência, a ciência da história. Desta, e da Economia Política, os comentários são tão escassos que até parece que se fala de outra coisa, e não propriamente daquilo que é até mais evidente na obra, toda ela, de Marx. Parece que evitam falar de história, que é a ciência de Marx, porque talvez fosse necessário entender que a ciência que Marx chama de história pouco, ou nada, tem a ver com a história dos historiadores. A história para Marx é o campo de atuação, de luta, de máxima expressão daquilo que é humano. A ciência de Marx é a história porque, para ele, o fundamental da vida humana é a transformação. E a transformação da sociedade capitalista numa sociedade sem classes é o que lhe permite ver a sociedade humana cientificamente. Não gosto dessa coisa chamada “método”, mas acho que se fosse o caso de falar de tal coisa no pensamento de Marx, é aí que ele se encontra. É só ler A Ideologia Alemã para se ter disso a prova concreta.
    A obra de Marx é, em grande medida, a sua época histórica, as lutas que então se travava vistas sobretudo à luz da crítica da Economia Política. “Crítica”, para Marx, é uma palavra prenhe de história. Significa, no caso da crítica à economia política, entender que a época em que o entendimento das leis de funcionamento do capital pela própria classe empenhada no seu desenvolvimento já tinha se cumprido. Agora, tratava-se de sua crítica, ou seja de mudar os rumos da sociedade porque o capital tinha deixado de ser uma força revolucionária. A crítica, e o crítico, quem os produz é a nova época histórica que necessita de romper os obstáculos que o capital vai criando para si mesmo.
    Para Marx, o capitalismo é obra da história. É obra da decapitação de Carlos I na Inglaterra. É obra da guilhotina na Revolução Francesa, da colonização, da escravização de todo um Continente. Como obra da história está fadada a prestar contas a ela. “Crítica” da Economia Política também porque esta se estruturava segundo a idéia de que o homem burguês era o homem. Para Marx, a indústria, a grande indústria, muda os termos da história humana. Para ele, uma sociedade sem classes como resultado do desenvolvimento capitalista não é uma idéia, mas uma necessidade decorrente da impossibilidade do capital fazer das máquinas a libertação da escravidão assalariada.

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