De bar em bar V: Canto do galo

Por Mouzar Benedito.

Já escrevi sobre as gafieiras do centro e proximidades, como o Brás e a Barra Funda, mas em Pinheiros também tinha gafieiras, ora se tinha. Até um dos mais antigos forrós de São Paulo, o Asa Branca, funcionava na rua Butantã, pertinho do largo dos Pinheiros. Mas a classe média pinheirense, preconceituosa, não ia a nenhuma delas. Podia ir até a gafieiras distantes, mas não às do seu próprio bairro.

Ela me fazia lembrar aqueles homens do interior que na sua cidade passavam por pessoas castas e bem comportadas, mas iam a puteiros nas cidades vizinhas, julgando que não seriam vistos. E geralmente tinha um conterrâneo estraga-prazer que via o falso puritano ali e contava pra todo mundo em sua terra. Encontrei muitas moçoilas moradoras da região se esbaldando no Garitão, no Paulistano da Glória e até no Imperador do Brás, mas nunca — a não ser minhas amigas, estudantes sem preconceitos que por acaso moravam na região — no Canto do Galo, por exemplo. No forró e nas gafieiras locais, quase só nordestinos e empregadas domésticas.

A gafieira Canto do Galo, de tamanho modesto, ficava no largo da Batata, e perto tinha uma outra chamada Tangará. Quando comentei com a Célia, minha mulher, que frequentei bastante o Canto do Galo, conversamos e chegamos à conclusão que devo ter dançado com uma empregada doméstica da família dela, assídua frequentadora, que por sinal acabou arrumando um namorado no Canto do Galo e casando com ele.

O detalhe do Canto do Galo era uma placa na parede: “Proibido dançar de sandálias havaianas”. Então, era comum encontrar alguma empregada com o sapato apertado ou maior que o pé, emprestado da respectiva patroa (ainda que às vezes a patroa não soubesse desse empréstimo).

O conjunto que tocava lá era sempre o mesmo, e minha turma tinha uma admiração especial pelo baterista, não pela sua qualidade, que não era grande coisa, mas pelo visual, que não chegava a ser um Falcão, rei do brega, mas era bastante “avançado” para a época. Terno xadrez, camisa verde, gravata vermelha, sapato branco ou vermelho e óculos rayban, bem escuros. Parecia muito com um roceiro da minha terra, conhecido como Chico da Ritinha. Por causa disso, entre meus conterrâneos (havia um bando que ia lá, além dos estudantes de Geografia da USP), o estabelecimento passou a ser conhecido como Bar do Chico da Ritinha.

Uma noite, depois de uma viagem de férias, passei no Bar do Chico da Ritinha, esperando encontrá-lo abarrotado de gente, mas não havia ninguém. Estranhei. Nem os instrumentos do conjunto musical estavam nos devidos lugares. Havia um homem atrás do balcão, fui conversar com ele. Perguntei o que aconteceu e ele me respondeu com sotaque italiano:

— Aqui agora é lugar de família. Comprei e pus ordem na casa.

Não falei nada. Só pensei: “babaca”.

Mais uns meses depois, passei lá e estava fechado, com a placa “passa-se o ponto”.

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Saci novo no pedaço

No dia 27 de agosto, sábado, das 11h às 13h, estaremos na Livraria da Vila (rua Fradique Coutinho, 915 – São Paulo) lançando o livro Saci. Com sete contos muito bem ilustrados (o Saci tem predileção pelo número 7), cada conto de um autor e de um ilustrador, é um livro para crianças que já sabem ler fluentemente ou para serem lidos para crianças mais novas. Vale a pena. Os autores são Márcia Camargos, Robson Moreira, Rudá K. Andrade, Dilair Aguiar, Flávio Paiva, Paulo Pepe e Luís Manetti. Eu sou apenas organizador.

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças-feiras. 

1 comentário em De bar em bar V: Canto do galo

  1. Vicente Antônio // 18/08/2011 às 10:47 am // Responder

    Mouzar!!!
    A cantora do conjunto do Bar do Chico da Ritinha, era uma cearense baixinha que engava bem, e as vezes ia de sandálias havaianas… então, não podia dançar…

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