Exílio em São Paulo
Por Urariano Mota.
O exílio aí em cima não foi de fuga à repressão da ditadura. Mas se passou naquele tempo.
Em 1978, quando me abriguei no apartamento de Rosi Campos e Calixto de Inhamuns, ambos eram atores de um grupo de teatro mambembe. E levavam vida de artista, à moda Van Gogh. Isso quer dizer, ali, comer arroz com ovo era um sonho de consumo. Lá na Barra Funda, almoçávamos e jantávamos salada de beterraba todos os dias, até nos domingos. Terrível.
Quando comecei a mijar roxo, fui pedir solidariedade ao dono da casa. Mas o safado do Calixto me respondeu:
– Tá vendo? Já tá fazendo efeito! Saúde…
São Paulo, naquele tempo, me ordenava muitas caminhadas sem recomendação médica e sem qualquer ideal olímpico. Pois me faltavam, em muitos e intermináveis passos, dinheiro e cara de pau pra pedir uma viagem grátis. Que cidade grande! Aqui e ali, como uma perseguição, São Paulo aparecia com a cara de churrasco grego. Às duas da tarde, na Avenida São João, havia um carrasco infame que passava afiadíssimas facas sobre a carne assada, que apesar da tarde, luzia em cores de boate, estroboscópica. A semelhança de raios de luz de radiola wurlitzer, o churrasco grego só me lembrava as pensões de putas do Recife antigo. Mas com o hit parade das buzinas.
É natural, nesse contexto, que eu acordasse de manhã frustrado com a perspectiva de mais beterraba ao longo do dia. Então eu olhava a paisagem da janela do apartamento, lá na Barra Funda, e saudava:
– Isso é uma cidade de merda.
Ao que Calixto completava:
– E do mijo roxo.
Quando saí dali, de volta para o Recife, jurei solenemente na mesma janela, a olhar a paisagem cinza:
– Em São Paulo não passo mais nem de avião, por cima.
E passava a mão sobre o ar, para associá-la a uma asa de avião.
Assim foi, assim quis a história. Calixto hoje dirige um núcleo de dramaturgia no SBT. Rosi, que na época estagiava na Som Livre, depois virou a bruxa Morgana e hoje é atriz da Globo. Quanto a mim, cumpri o que disse: jamais passei por cima da cidade. Depois da publicação de Soledad no Recife em 2009, pousei em São Paulo duas vezes. Numa, para o lançamento do livro. Noutra, para abrir com Soledad um seminário na USP. Mas aí São Paulo se transformara em uma cidade aberta, civilizada, hospitaleira, grande, sem a grandeza medida em passos. São Paulo não era mais a cidade das beterrabas.
***
Urariano Mota é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997). Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
Quanto à situação presente da cidade, há algumas controvérsias, hehe…
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Ora direis comer arroz com ovo ou beterrabas…
Bons e áureos tempos, marcaram com ferro indelével, sua têmpera para a pena, meu amigo!
Abração!
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Nunca fale, não volto mais, pois pagarás com o retorno tua infâmia, hehehe!!!
Adoro minha cidade, São Paulo, sempre foi um bom lugar pra se morar, me mostre outra cidade que vc acorda as 4 da matina com vontade de comer uma pizza de piperone e acha?
Hj moro em Porto Velho, não posso falar mal, afinal daqui sai meu sustento, mas cidade, cidade é sampa e ponto final.
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