Sua Excelência, o vereador

Por Mouzar Benedito.

Com essa história de Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, querer criar um partido que não é de esquerda, não é de direita e não é de centro (é etéreo?), fiquei me lembrando da reforma partidária ocorrida no fim da ditadura, quando só existiam dois partidos legalizados: A Arena (Aliança Renovadora Nacional), do governo, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), de oposição consentida mas que de vez em quando se levava a sério.

E lembrei-me também dessa história de alguns partidos que atraem artistas e atletas populares, esperando que com os votos deles sejam eleitos mais alguns parlamentares que pertencem realmente ao partido ou à coligação, o que deu certo no caso recente do Tiririca, mas às vezes é um tiro no pé, como aconteceu com Ademir da Guia, eleito vereador de São Paulo pelo PCdoB, há tempos.

Como mais votado pela legenda, Ademir da Guia foi eleito, mas só ele, e ficaram de fora quadros do PCdoB, dos quais pelo menos um podia ter sido eleito no lugar do craque do futebol, se ele não tivesse concorrido. E o atleta não se incorporou de fato ao PCd B, logo pulou para outra legenda, deixando o partido sem nenhum vereador, sequer para abrigar militantes na assessoria…

Bom, voltando aos tempos do fim da ditadura, um dos candidatos a vereador em São Paulo, pelo MDB, foi Mário Américo, massagista da seleção brasileira de futebol. Já escrevi sobre isso em algum lugar, mas acho divertido lembrar.

A campanha de Mário Américo não tinha nenhum “papo cabeça”, era uma espécie de “papo mão”: as mãos que massagearam Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos e outros gênios do futebol da Copa de 1958, quando o Brasil foi campeão pela primeira vez.

Colou. Mário Américo foi eleito. O MDB lhe proporcionou assessores que criaram até projetos de lei interessantes.

Aí veio a reforma partidária. A Arena virou PDS (Partido Democrático Social), o MDB virou PMDB, e surgiram o PT, o PDT e o PTB.

Mário Américo foi cooptado por Paulo Maluf e, em vez de ir para o PMDB, foi para o PDS. Acontece que um projeto de lei dele, dos tempos de oposição, chegou à fase de votação quando ele já era do PDS, e o tal projeto contrariava os interesses do prefeito Reynaldo de Barros, malufista, nomeado pela ditadura. E aconteceu a aberração: Mário Américo votou contra um projeto de lei de autoria dele mesmo.

Um vereador do PMDB, indignado, fez um discurso cheio de impropérios, com adjetivos nada edificantes, contra o vira-casaca. Mário Américo, no plenário, levantou bravo e gritou com o dedo em riste:

― Vossa excelência está ofendendo a minha excelência!

***

Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças-feiras. 

5 comentários em Sua Excelência, o vereador

  1. Muito bom, Mouzar, é outra coisa conhecer a história do país por quem de fato se lembra dela!
    Grande beijo.

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  2. Grande Mouzar. Sempre escreve sobre situações sérias sem perder o bom humor. Gostei muito da análise histórica. Abraço!

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  3. Vicente Antônio da Silva // 17/08/2011 às 1:40 pm // Responder

    Mouzar, esse “causo” me fez lembrar de uma eleição em Nova Resende, não me lembro o ano, mas o número de candidatos era exatamente o mesmo número de vagas na câmara municipal, não havia remuneração para exercer o cargo, o que não atraia possíveis candidatos. O Edinho foi eleito com apenas um voto, o dele, ninguém mais da família votou nele (mulher, pai, mãe, irmãos…).

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  4. Haha… essa crônica não poderia ser mais bem encerrada, senão com essa frase…
    ― Vossa excelência está ofendendo a minha excelência!
    Seu humor é sutíl. Muito bom mesmo!
    Abraços,

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  5. Miguel Paiva // 17/12/2011 às 2:48 pm // Responder

    Mouzar,
    Gostaria de conversar com você sobre um projeto com Meneghetti. Se pder entre em contato ou me mande seus contatos.
    Meus numeros são- (21)- 2259 3770 e 81586165
    Abs,
    Miguel Paiva

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