Homem mau dorme bem
Por Izaías Almada.
O magistral cineasta japonês Akira Kurosawa realizou no início dos anos 1960 um filme em que denunciava a corrupção e a consecução de outros crimes no fechado ambiente das grandes empresas do seu país. O título, em tom afirmativo, se colocado na sua forma interrogativa, nos remeterá a uma dúvida de características hamletianas, proposta – aliás – que permeia a citada obra de Kurosawa. Homem mau dorme bem?
Tudo indica que sim, se buscarmos exemplos como o de Rupert Murdoch, o tão sinistramente badalado magnata das comunicações. Descobertas as falcatruas e delitos praticados por um de seus jornais em Londres, com espionagens, escutas telefônicas ilegais, chantagens e outras “liberdades de imprensa” sempre defendidas pelos mais ardorosos e hipócritas democratas de plantão, Murdoch respondeu no parlamento britânico que, apesar de toda a situação que vivia a sua empresa, da qual não tinha conhecimento (sic), ela sairia mais fortalecida dos acontecimentos.
A pergunta imediata que me fiz, até certo ponto óbvia para quem acompanha razoavelmente o que acontece com as grandes corporações dos meios de comunicação no mundo atual, é se a empresa de Murdoch sairia mais forte para praticar crimes iguais ou ainda piores do que os descobertos e identificados.
Já não é segredo para ninguém como e onde se fabricam determinadas notícias de caráter belicistas, preconceituosos, xenófobos, racistas e distribuídas por agências noticiosas ao redor do mundo para jornais, rádios, emissoras de televisão e toda a rede da internet. Campanhas contra os povos muçulmanos, por exemplo, ou a incitação contra imigrantes na Europa e nos EUA, contra presidentes de estados como Ahmadinejad, Hugo Chávez, Rafael Correa, Evo Morales, Fidel Castro, o próprio ex-presidente Lula, nomes mais sonantes por essas bandas…
São notícias, boa parte delas, articuladas e expostas em jornais, revistas e televisões do império Murdoch. E não só, pois são também repercutidas no Brasil por vários meios de comunicação de igual teor… Tudo em defesa de um sistema econômico que começa a rachar por todos os lados. Ou em defesa dos armamentistas, dos grandes laboratórios farmacêuticos norte-americanos e europeus que usam como cobaias exatamente muitos dos imigrantes indesejados, só que em seus países de origem. Ou ainda no indisfarçável propósito de identificar a melhor democracia como sendo aquela que se confunde com a ganância mais irresponsável e impiedosa de que se tem notícia.
Que o digam, por exemplo, os exércitos de jovens desempregados e subempregados na Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal, Itália e adjacências. Quando a pacífica Noruega chora de dor por dezenas de seus jovens, vítimas da insanidade da nova direita europeia, é preciso lembrar que por trás do ato terrorista está a indefectível mão da intolerância e da imprensa do Sr. Murdoch e seus pares pelo resto mundo.
Para sonhar de novo e resgatar para si a dignidade, a solidariedade e a alegria de se viver minimamente em paz, o homem terá que impedir o leve sono e o mau exemplo dos Murdochs que se escondem em muitas das redações e consciências entrincheiradas à nossa volta.
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Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
Começou no nada e chegou a lugar nenhum.
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