Crônicas de Berlim (6): O amargo retorno

Bolsa de valores de Frankfurt

Por Flávio Aguiar.

Novamente vou me desculpar com leitoras e leitores, e retardar nosso anunciado jantar. É que devo registrar essa sensação de perplexidade que toma conta de mim, ao retornar à terra dos sonhos de Goethe, Schiller, Thomas Mann e… da realidade do euro!

Passei uma curta e gélida temporada em S. Paulo no fim de junho/começo de julho, por obrigações profissionais e prazeres familiares (filhas, genros e netos). De volta, parece que pousei num vulcão prestes a explodir, por diferentes razões.

Primeiro, as notícias que vêm da Itália, da Espanha, da Bélgica – sem falar em Grécia, Irlanda e Portugal – não são nada boas. Discute-se quando e como, não se, a Grécia vai declarar a moratória, ou, como se diz hoje brandamente, dar default, ou ainda reestruturar a dívida. Ao mesmo tempo, prometem-se calamidades terríveis para o euro e sua zona, ou a zona em que se transformou.

Mesmo que nada aconteça, a situação é terrível, porque tudo já está acontecendo. Direitos estão sendo pulverizados a ferro e fogo, aposentadorias de idosos e sonhos de juventude estão se evaporando a olho nu, empregos estão sendo imolados nos autos-da-fé neoliberais que governos estão empurrando goela abaixo de seus povos, a democracia vem sendo espezinhada por decisões tomadas de cima para baixo e defendidas a cacetadas e bombas de gás lacrimogênio ou de “efeito moral”, apresentadas como o “amargo remédio” necessário a gente que ficou fazendo farra com dinheiro público enquanto outros labutavam piedosamente pela cartilha do capitalismo tardio. (Só que quem fez farra de fato com dinheiro público não está pagando a conta agora).

A Alemanha “próspera” parece uma ilha de tranqüilidade neste mar nevoento e encapelado; mas a gente sabe que se a Espanha e a Itália quebrarem, os bancos alemães ou irão para o beleléu ou mandarão a Alemanha para lá, apertando os cintos e as cobranças, o mesmo acontecendo na França. Sobre isso pairam sempre as ameaças de uma extrema-direita ensandecida, coisa já palpável na Holanda, na Hungria, na Áustria, na Finlândia e ventilada em outros países, como a própria Grécia.

Como se não bastasse, explode uma crise no mundo da mídia britânica, com raízes nos Estados Unidos, Ásia e Oriente Médio. Refiro-me às investigações sobre o grupo News International Corporation (a holding), de Rupert Murdoch, que envolve tudo, da Fox News aos britânicos Times e Sun, sem falar no News of the World, que, apesar de seus 169 anos de idade, teve de fechar graças à gravidade das acusações, que envolvem grampos telefônicos ilegais contra todos – até a família real britânica. Parece que havia microfones ocultos até nos bobs de sua Majestade (ou seriam os bobbies, aqueles simpáticos policiais com seus ridículos chapéus tipo côco prolongado?). Murdoch et família é um grupo que faz Mesquitas, Frias, Sirotskys e Marinhos parecerem um grupo de escoteiros ou de esquerdistas radicais. Ele apoiará, apóia e apoiou tudo o que de mais reacionário houve, há, e haverá na face da Terra, das políticas de Thatcher às de Bush, da Guerra do Iraque à Guerra contra Sindicatos na Grã-Bretanha. Se existisse, certamente apoiaria a luta civilizatória de Roma contra os escravos revoltados de Espártaco.

O premiê David Cameron entrou na dança, porque nomeara um ex-editor do News of the World, Andy Coulson, como chefe das comunicações do Partido Conservador e depois do gabinete do primeiro ministro, no famoso endereço Downing Street, no. 10!

Querem mais? Encontro a Alemanha “tranquilizada” porque, afinal, numa notícia ainda vaga para o meu gosto, determinou-se que a cepa da Escherichia Coli que provocou uma epidemia de diarréia, com complicações renais, no sistema nervoso central e alhures no corpo, espalhando-se pela Europa a partir do norte de Alemanha, deixando atrás de si um saldo de milhares de doentes, quase mil em estado grave e quase (pelo menos) 50 mortes, veio do Egito (claro, um país do 3o. mundo!). Só que não houve epidemia no Egito, nem daí ela se espalhou, e sim na e da Alemanha. Por quê? Vá se saber…

Enfim, leitores, a situação está complicada.

Mas eu e minha mulher conseguimos dormir tranquilos neste temível velho mundo. Por quê? Porque sabemos que, em caso de necessidade, temos uma ilha de tranquilidade neste oceano tempestuoso onde nos refugiarmos: o Brasil!

Só dizendo, como minha avó: “êta mundo velho sem porteira!”.

***

Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, e o recente Crônicas do mundo ao revés (2011). Colabora com o  Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

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