O anticomunismo nas Escolas Militares

Por Urariano Mota.

Imagino os jovens dos Colégios Militares, rapazes e mocinhas ardorosos obrigados a decorar algo como uma História vazia e violentadora, a que chamam  História do Brasil – Império e República, de uma Coleção Marechal Trompowsky, da Biblioteca do Exército. O nome, a origem, o Marechal, por si, já não garantiriam um bom resultado. Estariam mais para pólvora que para a História. Mas não sejamos preconceituosos, ilustremos com o que os estudantes são obrigados a aprender, como aqui, por exemplo:

“Nos governos militares, em particular na gestão do presidente Médici, houve a censura dos meios de comunicação e o combate e eliminação das guerrilhas, urbana e rural, porque a preservação da ordem pública era condição necessária ao progresso do país.”

Uma breve pesquisa aponta que esses livros servem a um ensino orientado pela Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial (DEPA), criado em … 1973, sim, naquele inesquecível ano da ditadura Médici. Ou naquele tempo do gestor democrático, segundo a orientação dada aos futuros militares. E não se pense que tal ensino está à margem da lei, não. Ele se apoia em um certo Art 4º do R-69. Percebem? A caserna legisla. Mas não é assim, sem nada, pois a DEPA organiza a proposta pedagógica “de orientar o processo educacional e o ensino-aprendizagem na formação de cidadãos intelectualmente preparados e cônscios do seu papel na sociedade segundo os valores e as tradições do Exército Brasileiro” (Grifo do seu documento). Que valores seriam esses, além das ideias anticomunistas do tempo da ditadura?

Penso agora nesses jovens dos colégios militares mantidos com os olhos vendados, pois deles se oculta a violência e o terror sofridos por outros jovens,  tão brasileiros, generosos e heroicos quanto eles hoje: 

“Eremias se tornou um cadáver aos 18 anos: perfurado de balas, o rosto irreconhecível porque uma só ferida, os cabelos, tão úmidos, tão grossos por coágulos de sangue, davam a impressão de flutuar no chão seco. Nada havia naquele cadáver que lembrasse o jovem que eu conhecera. O menino que eu vira em 1968 não anunciava aquele fim. Eremias não era aqueles olhos apertados, a boca aberta à procura de ar, a lembrar um afogamento. Um estranho peixe, com os cabelos a flutuar no seco.

Eremias morreu como um herói, permitam-nos dizer. O aparelho onde estava caíra. Fora entregue por um outro jovem preso, que não suportara as torturas. Cercado por forças do Exército, Eremias sozinho resistiu. Resistiu à bala, sem nenhuma esperança”. 

Ou aqui, neste depoimento da advogada Mércia Albuquerque, que assim viu e viveu no tempo da gestão do presidente Médici:

“Soledad estava com os olhos muito abertos com expressão muito grande de terror, a boca estava entreaberta e o que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade que estava, eu tenho a impressão que ela foi morta e ficou algum tempo deitada e a trouxeram, e o sangue quando coagulou ficou preso nas pernas porque era uma quantidade grande e o feto estava lá nos pés dela, não posso saber como foi parar ali ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror.”

E também aqui, nesta personagem oculta aos estudantes:

“Maria Auxiliadora Lara Barcellos atirou-se nos trilhos de um trem na estação de metrô Charlottenburg, em Berlim… tinha sido presa 7 anos antes, em 1969, no Brasil. Nunca mais conseguiu se recuperar plenamente das profundas marcas psíquicas deixadas pelas sevícias e violências de todo tipo a que foi submetida. Durante o exílio, registrou num texto… ‘Foram intermináveis dias de Sodoma. Me pisaram, cuspiram, me despedaçaram em mil cacos. Me violentaram nos cantos mais íntimos. Foi um tempo sem sorrisos. Um tempo de esgares, de gritos sufocados, de grito no escuro…’”

Essa história trágica, mas ainda assim fecundante, o papel destruidor de vidas pela Ordem da ditadura militar não pode nem deve ser ocultado. Há um clamor cidadão contra. Os colégios militares não podem mais continuar independentes do Brasil, como se fossem ilhas inexpugnáveis à civilização.

Nos discursos mais comuns dos oficiais militares que pretendem eternizar uma Escola imune à democracia e à história dos homens, argumenta-se: a) os jovens brasileiros que não se formaram no Colégio Militar não pensam nem se instruem; b) a história vivida e produzida por intelectuais e doutores das universidades brasileiras não serve para o ensino militar. Não seria mais simples que proclamassem, como o general fascista na Espanha, “morte à inteligência”? 

Em todos os livros das Escolas Militares há um expurgo do genocídio de índios pelos bandeirantes, há uma nova Guerra do Paraguai que teria integrado todos os brasileiros (enquanto destruía o povo paraguaio), que unia até os escravos nacionais, mortos nas frentes com a promessa de liberdade; e, principalmente, o desaparecimento de vidas e execuções dos “apenas” 144 mortos da ditadura, que almejavam uma felicidade de bandidos.

E assim se formam novos oficiais, como se fossem a encarnação do Fantasma das histórias em quadrinhos. De geração a geração com o mesmo caráter, com o mesmo papel, a cavalgar em um cavalo branco pelo vazio histórico. De 1964 a 2011, apesar de a Guerra Fria ter acabado, apesar de um índio ter subido à presidência da Bolívia, apesar de um operário ter se tornado o presidente do Brasil mais popular em todo o mundo, tudo continua como antes no quartel de Abrantes. Igual aos tempos de Castelo Branco, Médici e Lyndon Johnson. 

***

Urariano Mota é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997). Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.

6 comentários em O anticomunismo nas Escolas Militares

  1. Conversando com pais militares nas escolas(educação infantil e fundamental) em que meus filhos estudam eu pude constatar esta triste realidade. São seres de outro mundo. A dúvida que eu tenho é de há quanto tempo este absurdo acontece, por que em 1964 o papel do exército foi perfeitamente condizente com o que passou a vigorar após a criação da Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial (DEPA), criada em 1973. Será que anteriormente a criação da DEPA, a história ensinada nas escolas militares já não era outra?
    E pelo visto não há a necessidade de os EUA invadirem isto aqui em nome da “democracia”. Porque aqui eles tem, exatamente como ocorreu em 1964, quem faça o “serviço”.

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  2. Patrícia Amaral dos Santos // 13/07/2011 às 10:59 am // Responder

    Muito bom, Uraniano! Precisamos de muito mais exclarecimento sobre essa época de trevas da nossa história. Hj, os jovens brasileiros, pensam de anos 60 e 70 no Brasil foi apenas uma época de novidades musicais, telenovelas e liberação sexual. Política? o q é isso????

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  3. O texto de fato descreve em linguagem simples, a sombra de uma identidade construída para uma elite dominadora (que são os militares), na medida em que este centraliza o grau de superioridade na farsa do patriotismo aplicado aos militares, na ilusão de guardiões dos valores da nação. Todo esse contexto é reflexo da implantação de domínio por aqueles que foram criados para oprimir e gerar a ordem, mas questiono-vos, a ordem de quem? Para quem? Conseguintemente é óbvio que seria a asseguração desta para estes opressores, no que tange a simples retórica de serem “superiores” na confiabilidade de suas armas, e assim o fizeram,marcando a tomada do poder além dos sucessíveis golpes. Tal corrente efetivou-se na implantação da República, que infelizmente convém salientar que o nosso povo não participava vida da política do país, eram de fato os excluídos, assistindo tudo bestializados por uma ordem de constantes violências, injustiças, opressões físicas e morais. Hoje, não estamos nos primeiros anos do sec. XX me sinto envergonhada ao perceber que ainda exista uma parcela desse passado sujo, visto como atos gloriosos do presente, em uma ordem desmoralizadora e constituinte de uma história excludente da verdade. Não somos os bestializados, que assistíamos a morte do próximo com os braços cruzados, distante das nossas próprias vozes. A história dos excluídos hoje soa, grita, por uma justiça ilimitada, em um passado adormecido para muitos, mas que estão vivos nos arquivos do DOPS.
    É justamente o vermelho abrasador, que configurou o nome deste país, que faço ponte ao que fixou o sangue de vários inocentes derramado no período da ditadura militar que permanece hoje, nas sombras de uma disciplina criada por eles, como abertura de espaço para continuar atuando em suas práticas aos dias de hoje, alienação pura em alusão a um fardamento que não representa a mim, e tenho orgulho inteligível ao desmitificar essa identidade suja, me incluindo em uma diáspora regenerativa de uma Historia contada de forma verídica e devolvendo a uma identidade negada ao povo.

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  4. o comunismo é uma mentira,o comunismo e o nazismo são iguais,o comunismo é igual ao nazismo,o comunismo e o nazismo mataram 200 milhões de pessoas,o comunismo e o nazismo violaram 3-5 milhões de mulheres,o comunismo é homicida,ateu,anti democratico,anti ecologico,o comunismo acaba com a democracia,com a religião,economia,liberdade de imprensa,os idolos comunistas como stalin,lenin são assassinos da pior especie,comunismo e nazismo são a mesma coisa,não há diferença,o comunismo não acaba com os problemas do mundo,o comunismo desrespeita os direitos humanos,os paises comunistas são ditaduras da pior especie,nos paises comunistas não há eleições ou democracia,os direitos constitucionais como liberdade de crença e de imprensa não existem nos paises comunistas pois nestes lugares a pessoa é impedido de exercer sua fé religiosa e impedido de divulgar noticias que vão contra o interesse do governo e/ou critiquem o governo,vale lembrar que stalin matou 25 milhões de pessoas na russia,mao matou 65 milhões de pessoas na china,pol pot matou 2,3 milhões no camboja,a guerra civil na russia e a revolução russa(1917-1921)matou 11 milhões de pessoas,guerrilhas comunistas na america latina e na africa custaram a vida de 2 milhões de pessoas,idi amin dadá matou 500 mil em uganda,o que todo esses individuos tinham em comum?eram todos comunistas,o comunismo não resolve o problema da fome ou da pobreza,pois o objetivo do comunismoé outro,como é o objetivo da internacional socialista no seu jargão “trabalhadores do mundo todo uni-vos”ou seja uma instalação da ditadura do proletariado,que na práticaé os trabalhadores fora do poder,resumindo uma propaganda enganosa pois eles os comunistas,prometem dar o poder aos trabalhadores(poder economico e poder politico,atraves da igualdade social e eliminação das desigualdades sociais e o controle do governo nas mãos dos trabalhadores respectivamente)só que na prática o poder fica nas mãos de uma pouca minoria,antes que alguem venha falar besteira não sou nazista,não sou comunistas,não sou capitalista,sou democrata e viva a democracia e amo a democracia,até mesmo muito conflitos moderno como a guerra arabe-israelense é financiado pelos comunistas,que deram dinheiro,armas,munições,filosofia/ideologia para os arabes guerrearem contra os judeus

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  5. rafael gimenes de araujo // 06/05/2014 às 3:28 pm // Responder

    APOIO COM TODAS AS FOÇAS O COMENTÁRIO

    ACIMA DO JULIO CESAR

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  6. E assim se formam novos oficiais, como se fossem a encarnação do Fantasma das histórias em quadrinhos. De geração a geração com o mesmo caráter, com o mesmo papel, a cavalgar em um cavalo branco pelo vazio histórico. De 1964 a 2011, apesar de a Guerra Fria ter acabado, apesar de um índio ter subido à presidência da Bolívia, apesar de um operário ter se tornado o presidente do Brasil mais popular em todo o mundo, tudo continua como antes no quartel de Abrantes. Igual aos tempos de Castelo Branco, Médici e Lyndon Johnson.
    O Sr termina seu texto com o supracitado parágrafo, O índio que subiu à presidência da Bolívia se evidenciou tão corrupto a ponto de até o acidente que envolveu a queda do Avião da chapecoense tinha dedo dele, o tal operário que fora preso no Regime de 1964 a 1985, hoje está prestes a ser preso pelo maior roubo da história da humanidade. Dessa forma o o cavalo branco que cavalga no vazio histórico, desde Castelo Branco até hoje parece ter a razão e vc não. Mas a história dirá se você é uma vítima ou não.

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