O Adorno de Jameson

Theodor W. Adorno

Por Emir Sader.

Em Pós-modernismo – a lógica cultural do capitalismo tardio, Jameson havia resgatado o conceito de capitalismo tardio, de Ernest Mandel, para enfocar a natureza da ideologia dessa nova etapa do capitalismo. Em O marxismo tardio, ele desenvolve a expressão alemã Spätmarximus para fazer a sua leitura de Adorno, encarando o marxismo com a sua própria lupa, isto é, variando de acordo com seu contexto socioeconômico.

Exemplo típico do chamado marxismo ocidental, Adorno fez parte da sua primeira geração, aquela que, sob pressão simultânea da stanilização dos partidos comunistas e da ascensão do fascismo, se via relegada à reflexão crítica na solidão dos gabinetes ou do exílio.

Jameson faz ressurgir, surpreendentemente, Adorno: na última década do século XX, para ele, “as profecias de Adorno do ‘sistema total’ se tornaram verdade, de formas inteiramente inesperadas”. Hoje, o que Adorno chamava de
positivismo se veste de pós-modernismo, “uma tacanha filosofia da ciência pequeno-burguesa, republicana, do século XIX, surgindo do casulo de sua cápsula de tempo com o esplendor iridescente da vida consumista cotidiana no veranico do super-Estado e do capitalismo multinacional”. A atualidade da interrogação de Adorno sobre a poesia após Auschwitz está em saber “se você suportaria ler Adorno e Horkheimer à beira da piscina”.

Esse é, para Jameson, o sentido do resgate de Adorno na virada do século; “restaurar o sentido de algo desagradável e iminente no poluído sol da alameda do shopping”. O resgate da dialética, com toda a sua negatividade, diante de um nominalismo que quer reduzir tudo ao presente empírico, tomado como único padrão possível, que pretende abolir o valor como tal, qualquer pensamento que suscite a questão dos fins, é o instrumento essencial de luta contra o liberalismo na sua versão atual, aquele do reino do mercado.

No vazio do socialismo em crise se introduz “o espetáculo dos intelectuais, ou da intelligentsia mesmo no poder: algum Marx futuro pode superar as páginas análogas do 18 de brumário, satirizando a euforia com a qual essa casta celebra
e consolida a aquisição de seus próprios valores profissionais de guilda (‘liberdade’) de fala e eleições (‘livres’), e então, sem mais, enfrenta sua crise de produção e começa a brigar… por dinheiro do grande aliado e defensor da ‘liberdade’, uns Estados Unidos…”.

Jameson propõe, através de sua leitura de Adorno, um modelo dialético para a compreensão do mundo atual, fazendo renascer com toda sua força a noção de teoria crítica como negatividade permanente e crítica social implacável. Se “sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária”, a ausência de teoria também se torna força material, mas para aprisionar as massas. Esse é o sentido de tardio no marxismo, para Jameson: “ainda, antes tarde do que nunca!”

Texto escrito para a orelha de O marxismo tardio: Adorno, ou a persistência da dialética, de Fredric Jameson, coedição entre Boitempo Editorial e Editora UNESP publicada em 1997, que ganha reimpressão após anos esgotada.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo semanalmente, às quartas-feiras.

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