De bar em bar II: Sujinho, Empanadas e Bartolo’s

Por Mouzar Benedito.

A Vila Madalena começou a ficar famosa pelos seus moradores, gente alternativa, no início da década de 1970, e atingiu o auge por volta de 1980. Nesse auge, pessoas de outros bairros vinham aqui e não achavam graça nenhuma. A graça da Vila era um frequentar a casa do outro, encontrar amigos nas ruas, por aí. Não havia bares e restaurantes atraentes. Fora o Bar da Terra, de curta duração, não havia um lugar que atraísse gente desconhecida. Nossos pontos eram o Sujinho, ponto de “bicho-grilo”, no conceito dos moradores mais antigos, e uns armazéns e vendas tradicionais, em que se podia também tomar cerveja ou cachaça sentado em sacos de batatas ou em engradados.

Íamos ainda ao “Bar do Dominó”, ponto de aposentados brincarem com esse joguinho o dia todo, mas com uma vantagem aos sábados: ficava bem no meio da feira livre, que na época atraía todo mundo, inclusive mocinhas lindas, com decotes generosos e minissaias exibindo belas pernas, no verão. Eu gostava de ver no Bar do Dominó o chapeiro que trabalhava lá aos sábados, fazendo sanduíches. Era um velhinho invocado. Fazia só um tipo de sanduíche por sábado. Por exemplo: calabresa. O sábado que tirava pra fazer sanduíche de calabresa, não fazia mais nenhum tipo de sanduíche. Se alguém pedisse um churrasquinho, por exemplo, ele, bravo, mandava ir comer noutro lugar, que naquele dia ele só fazia sanduíche de calabresa.

O Sujinho sobreviveu mais, mas foi mudando de estilo e acabou fechando. Os armazéns e as vendas fecharam ou se descaracterizaram e o Bar do Dominó foi forçado a fechar pelo dono do prédio, que vendeu o ponto pro Olívia, um bar chato que fechou também, e o local atualmente abriga o Posto 6, na esquina da Mourato Coelho com a Aspicuelta.

Depois, abriram o Bar das Empanadas, na época chamado Martin Fierro, que passou a ser frequentado por moradores da Vila e de fora, pois as empanadas eram uma novidade, e o bar era bom, com donos muito simpáticos. Uma moça amiga ficou fascinada pelo Martin Fierro, não só pelo sabor das empanadas, mas também por uma placa informando que ele fechava aos domingos, justificando: “Trabalhamos para viver, não vivemos para trabalhar”. Na Vila Madalena havia muita gente ligada ao cinema e o Martin Fierro tornou-se ponto dessa turma durante um bom período. Uma época, um dos frequentadores virou guia turístico e incluiu o Martin Fierro no seu roteiro. De vez em quando parava um ônibus na porta, descia um monte de gringos olhando curiosos para os brasileiros ali presentes: o guia havia dito que, além de apreciar ótimas empanadas ali, os turistas poderiam conhecer os cineastas de São Paulo. Todos ali, segundo ele, eram cineastas.

Um tempo mais e veio a notícia: seria aberto na esquina da Aspicuelta com a Fradique Coutinho um bar “bom”, capaz de atrair gente de fora, o Bartolo’s. Esperei com expectativa. No primeiro dia que pude, depois da inauguração, fui lá… e não gostei. Fiz outras tentativas, mas achava não só o bar meio ruinzinho, a frequência também. Quase sempre encontrei lá algo parecido com uma convenção de chatos (antes que alguém chie, houve exceções).

As pessoas com quem conversei no Bartolo’s sempre pareciam ser muito críticas, mas só de gogó. Intelectuais muito interessantes no boteco, com produção zero fora dali.

Um dia uma amiga que mora no Paraíso, a Fúlvia, quis marcar uma conversa comigo e outros amigos no Bartolo’s, eu disse que preferia outro lugar. Ela perguntou por quê e eu expliquei:

— Lá é assim: tem escritor sem livro, cineasta sem filme, arquiteto sem projeto, psicanalista sem cliente… só gente desse tipo.

Alguém pediu mais explicações e eu continuei:

— Olha, um dia destes encontrei lá um sujeito falando mal do García Marquez, dizendo que ele era um péssimo escritor. O sujeito dizia que também era escritor, pra se gabaritar pra essa crítica. Perguntei que livro ele escreveu e ele respondeu: “Por enquanto, nenhum… mas estoucom um projeto!!!”. Lá é cheio de gente assim.

E continuei falando de um ator que nunca tinha atuado, de um cineasta que desbancava o Babenco e nunca tinha feito um filme, compositor que nunca compôs nada falando mal do Chico Buarque, só coisas desse tipo. A Fúlvia ria… e ria. Aí eu é que perguntei por quê. Ela contou:

— Só fui ao Bartolo’s uma vez… Quem me levou foi um sindicalista sem sindicato e um dono de bar sem bar.

— Como? — perguntei.

E ela me contou:

— Os dois não trabalham há muito tempo. Um foi dono de bar e até hoje diz que é dono de bar. O outro foi dirigente sindical há mais de dez anos, mas ainda se apresenta como sindicalista.

***

Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças-feiras.

3 comentários em De bar em bar II: Sujinho, Empanadas e Bartolo’s

  1. Valeu Mozart, com direito a um ovo cozido e uma cachaça!

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  2. gostei muito do pessoal quer trabalhava no sujinho
    a Marra, Raquel, Marquihos e outros queria muito o contato dese jente quer fez nossa vida ser diferente,, Sirley a Baiana

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  3. Clovis Pacheco F. // 25/05/2016 às 3:19 pm // Responder

    Antigamente o Bar das Puta da Consolação com a Maceió era chamado também Sujinho, informalmente. E o Helenice, da Rego Freitas com a Major Sertório também era Bar das Putas, por motivo óbvio.

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