Contra a globalização editorial

Feira de Livros de Frankfurt (Fotógrafo: Jeon Heon-Kyun/EPA; Fonte: The Guardian UK)

Por Emir Sader.

A globalização do mercado editorial faz com que as livrarias tendam, cada vez mais, a se parecerem umas com as outras: as mesmas vitrines, os mesmos bestsellers. Grandes corporações multinacionais passaram a investir em editoriais que, por sua vez, passaram a se expandir internacionalmente, comprando editoras nacionais. Quando vamos a uma Feria do Livro nos damos conta dessa absorção, que faz com que várias editoras estejam no mesmo estande, simplesmente porque passaram a pertencer ao mesmo grupo.

Ao invés de favorecer a circulação dos autores e livros pelo mundo afora, como é típico da globalização, o movimento se dá numa direção única. Exportam-nos grande quantidade de bestsellers, que as cadeias de venda se encarregam com que em todos os países se promovam os mesmos autores e os mesmos livros, como se os gostos das pessoas fossem absolutamente iguais. Não se trata disso, se trata de que as cadeias de comercialização são as mesmas, achatando as leituras de todo o mundo, independentemente do país.

Essas mesmas grandes cadeias escolhem autores dos países periféricos, sempre ficcionistas, que decidem globalizar e nos devolver como escritores de sucesso. Escolhem conforme seu gosto pasteurizado, buscando o exotismo das obras locais que acreditam que possam vender em todos os continentes.

Mas não publicam os nossos ensaístas, os que interpretam nossa realidade e a realidade do mundo. Autores como Celso Furtado, Milton Santos,Caio PradoJr., Ruy Mauro Marini, José Luis Fiori, Maria Conceição Tavares, Darcy Ribeiro, entre tantos outros, não são publicados por eles. As grandes cadeias editoriais publicam os autores do centro do capitalismo, falando sobre nossa realidade. Se reservam o direito de interpretação inclusive sobre nosso mundo. Ou publicam autores daqui cuja mente colonizada reproduz o que eles dizem e querem ouvir, como FHC e Vargas Llosa.

As editoras alternativas encontram grande dificuldade diante desse mecanismo e seus reflexos, por exemplo, na comercialização dos próprios espaços em livrarias. As livrarias se tornam não apenas cada vez mais similares, enquanto a diversidade de coisas novas publicadas aumenta cada vez mais, mas é sempre difícil encontrá-las.

A globalização chega assim de maneira perversa também ao mundo editorial, com a ditadura do poder econômico das grandes cadeias editoriais internacionais, muitas vezes integradas a conglomerados ainda maiores. As redes alternativas de informação, das editoras que escapam a esse circuito monopolista, tem que ser incentivadas, intensificadas, para que os livros que se chocam com as interpretações dominantes no mundo hoje, possam chegar ao numero cada vez maior de pessoas que se conectam pelas redes alternativas.

 ***

Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Paulicéia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo semanalmente, às quartas-feiras.

2 comentários em Contra a globalização editorial

  1. João Carlos Santos // 29/04/2011 às 10:59 pm // Responder

    Algumas honrosas exceções ainda podem ser encontradas, entre as editoras de médio e de pequeno porte, como a Boitempo. Entre as grandes, raríssimas estão dispostas a colocar qualidade antes de potencial de vendas. O que lhes importa é exclusivamente o lucro, e ainda assim recebem o massivo apoio dos cadernos de cultura e da grande mídia em geral. Mas temso de resistir, em nome da cultura e da boa literatura, seja ela engajada ou não.

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  2. A expressão popular é mais séria em seu projeto…

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