Uma aula de história concreta
Por Emir Sader.
O 18 de brumário de Luís Bonaparte – publicado agora pela Boitempo – é um dos clássicos do pensamento político. Não se trata de um livro teórico, mas de uma análise concreta, em que Marx trata de dar conta de como um personagem medíocre pode, conforme as condições históricas, ser guindado a ter um papel de liderança política e como isso tem a ver com a crise de hegemonia – nos termos posteriores de Gramsci – daquele momento.
Algumas das citações mais conhecidas e marcantes do pensamento político estão contidas no livro, no marco de análises concretas, como é do feitio de Marx e deveria ser do marxismo. Sua leitura, como se fosse uma ficção, faz dele uma das obras mais bem realizadas do conjunto de textos produzidos por Marx.
O texto que é publicado como prólogo, de Herbert Marcuse, por sua vez, revela a atualidade das análises do 18 de brumário. “A república parlamentarista se transforma em um aparato político-militar encabeçado por um líder ‘carismático’ que tira das mãos da burguesia as decisões que essa classe não consegue mais tomar e executar por suas próprias forças.” Marx destrincha na obra a natureza do que passou a se chamar de bonapartismo, justamente a partir dessa análise. Como a autonomia relativa – nos termos posteriores de Poulantzas – permite a delegação do exercício do poder a um líder, que se apoia diretamente em um setor social de caráter popular – nos pequenos produtores rurais, no caso de Luís Bonaparte –, mas para reafirmar e legitimar os interesses gerais da burguesia. “(…) eu demonstro como a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que permitiram a um personagem medíocre e grotesco desempenhar o papel do herói.”
O livro é um exemplo concreto de como “os homens fazem sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias pelas quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram”. Sem esse princípio fundamental da metodologia da análise histórica, tudo aparece como aventura de indivíduos, onde tudo parece possível e ao mesmo tempo, nada pode levar à ruptura das condições existentes.
“As revoluções burguesas como as do século XVIII precipitam-se rapidamente de sucesso em sucesso, um efeito dramático é suplantado pelo próximo, pessoas e coisas parecem refulgir como brilhantes, respira-se diariamente o êxtase; porém, elas têm vida curta, logo atingem o seu ponto alto e uma longa ressaca toma conta da sociedade antes que, novamente sóbria, aprenda a apropriar-se dos resultados do seu período impetuoso e combativo.”
Já as revoluções proletárias vivem em constante autocrítica, interrompem continuamente sua marcha, parecem começar tudo de novo, zombam dos seus próprios passos, até que consigam criar todas as condições para superar definitivamente todas as condições da exploração, da opressão e da alienação.
O 18 de brumário é o melhor exemplo de que o conhecimento tem que ser apreendido do movimento concreto das coisas, das dinâmicas contraditórias das forças realmente existentes. Sua leitura é uma das fontes mais ricas de compreensão dos mecanismos políticos que regem a história contemporânea.
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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Paulicéia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo semanalmente, às quartas-feiras.
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