Perry Anderson e o Brasil

Perry Anderson apresenta conferência em debate realizado pela Boitempo em 2009

Por Emir Sader.

Em 1994 fizemos no Rio um seminário que intitulamos “Posneoliberalismo”, na esperança de que, confirmado o favoritismo de Lula nas pesquisas, o Brasil poderia saltar o neoliberalismo e trilhar um caminho diferente dos vizinhos da região e do mundo em geral, em que a dupla Reagan-Thatcher impunha o novo modelo.

A exposição de Pery Anderson jogou água fria na nossa expectativa e se tornou um clássico, o melhor balanço sobre o neoliberalismo (“Balanço do neoliberalismo”, in Posneolieralismo [organização Emir Sader e Pablo Gentili, Editora Paz e Terra, 1995]). Nela, o ensaísta inglês revelava a força e a extensão do novo modelo, que se havia tornado hegemônico, prognosticando que o Brasil tampouco escaparia dele. A virada de FHC e seu governo de 8 anos confirmariam isso.

Oito anos depois fizemos um novo seminário e novamente Perry Anderson aguava a festa do esgotamento do governo FHC e da iminente vitória de Lula. Ele prognosticava que não haveria ruptura com o modelo, apelando como o entorno latino-americano confirmaria essa continuidade. Nesse caso, ele acertou pela metade: Lula não rompeu de imediato com o modelo econômico – as diferenças estratégicas viriam na política internacional e no peso das políticas sociais -, incorporando o consenso sobre a necessidade de proteção da moeda contra a inflação. Porém, ao longo dos seus 2 mandatos, especialmente a partir de 2005, Lula avançaria na superação do modelo, sem o qual não se explicaria a imensa popularidade com que ele chegou ao final do seu segundo mandato.

O artigo recente que Perry Anderson publicou na London Review of Books o coloca em plena sintonia com o que terminou sendo o governo Lula ao longo de toda a década. O reconhecimento de que ele é o único dirigente político vitorioso da sua geração, de que seu governo ganhou uma cariz claramente popular, que a política internacional brasileira se projetou como correta e expressiva em escala mundial, mesmo com as observações dos limites para a superação efetiva do modelo.

(Ressalte-se, já que, pelo menos até agora, nenhum órgão da imprensa brasileira publicou o artigo, que Anderson elogia a intelectualidade brasileira, destacando cinco nomes – Antonio Candido, Roberto Schwarz, Chico Buarque, Chico de Oliveira e Emir Sader, estes dois últimos autores da Boitempo.)

O conjunto da obra de Perry Anderson faz dele, na minha opinião, o pensador mais importante da esquerda mundial , desde o surgimento das suas principais obras, ainda nos anos 1960, continuando ao longo de todas as décadas seguintes.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Paulicéia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo semanalmente, às quartas-feiras.

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[Nota dos editores: De autoria de Perry Anderson, a Boitempo publicará ainda este ano no Brasil a coletânea de ensaios Spectrum. Entre os textos já publicados, estão Afinidades seletivas (2002), onde o pensador estabelece diálogos críticos com diversos intelectuais do século XX, e Consideraçõs sobre o marxismo ocidental/Nas trilhas do materialismo histórico (2004), além da conferência “Algumas notas históricas sobre hegemonia” apresentada em evento organizado pela editora em 2009, presente na Margem Esquerda nº14 (2010). Veja a conferência completa no Canal da Boitempo no YouTube.]

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